Porto Alegre, sexta-feira, 26 de abril de 2024
   

Deputado Raul Carrion - PCdoB-RS

Século XXI, Barbárie ou solidariedade: alternativas ao neoliberalismo

APRESENTAÇÃO

Calo-me, espero, decifro. As coisa talvez melhorem. São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto.

Carlos Drummond de Andrade

Este livro tem sua origem no Fórum da Solidariedade - III Seminário Internacional - A Crise do Capitalismo Globalizado na Virada do Milénio, realizado em Porto Alegre, em outubro de 1999, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os 23 textos que o compõem nos dão uma síntese dos ricos debates ali ocorridos.

O evento - uma continuação dos I e II Seminários Internacionais Globalização, Neoliberalismo, Privatização e Século XXI: Barbárie ou Solidariedade? - reuniu pesquisadores e estudiosos do Brasil, Argentina, Chile, México, Inglaterra, França, Bélgica, Espanha, Portugal e China. Da mesma forma que os anteriores, foi organizado e sustentado, financeira e materialmente, por um conjunto de 55 entidades e instituições, representando um amplo espectro social de trabalhadores urbanos e rurais, cooperativados agrícolas, lideranças comunitárias, estudantes, professores, intelectuais, profissionais liberais, pequenos empresários, juizes e agentes políticos em geral. Para viabilizá-lo, todos que participaram de sua organização e realização - inclusive os conferencistas - o fizeram gratuitamente.

Em que pese o Fórum da Solidariedade/Hl Seminário In­ternacional realizar-se em pleno período de aulas, cerca de mil inscritos lotaram seus nove debates, realizados no Salão de Atos da UFRGS, durante os cinco dias do encontro. Pela candência e qua­lidade dos debates e dos conferencistas, a sua repercussão nos meios de comunicação foi significativa, extrapolando, em muito, os limites do evento em si.

De forma plural e sem restrições - tendo como único com­promisso uma abordagem científica da realidade - expressaram-se as mais distintas visões sobre a crise. Lado a lado, o saber popular, o saber académico e a práxis política buscaram desvendar a crise do capitalismo neoliberal na virada do milénio, sem concessões; seja ao fatalismo paralisador dos apologistas do "deus-mercado", seja dos que anunciam o "fim dos tempos" para breve.

Tendo como centro da discussão a grave crise económica, social e política vivida pelo mundo nesse final de século - caracterizado pelo domínio do capital financeiro - os debates procuraram esclarecer o caráter e a natureza da crise, suas causas e consequências económicas, sociais e políticas. A chamada "Crise Asiática" - epicentro de sua mais recente manifestação - mereceu atenção especial dos conferencistas que nela buscaram pistas para esclarecer o enigma.

Da mesma forma, impôs-se a discussão da chamada "crise do trabalho". Pode-se falar, realmente, de uma sociedade "pós-trabalho" e da "extinção da classe operária"? O que devemos entender por pro­letariado nos dias de hoje? Terá caducado a teoria do valor-trabalho? Pode o capital, como um todo, ter uma valorização real fora da esfera da produção? Que novas formas assume atualmente a extração do excedente económico? O que está ocorrendo com o emprego - constru­ção histórica das lutas dos trabalhadores - no final desse século?

A revolução biotecnológica, a polémica sobre os transgênicos, as profundas transformações na agricultura e na pecuária dos dias atuais; a exploração predatória da natureza pelo capital sequioso de lucro e a acelerada degradação do meio-ambiente; o controle cada vez mais concentrado da terra, das águas e dos recursos naturais do planeta; foram outras tantas questões examinadas pelos palestrantes, visando uma compreensão global da crise.

Como tudo isso se reflete no campo das ideias e nas relações internacionais - nos terrenos económico, político, diplomático e militar? Qual o significado e o alcance da chamada "Terceira Via" Europeia - hegemónica nos governos social-democratas da Inglater­ra, França e Alemanha? É ela uma alternativa real ao neoliberalismo ou não passa de um neoliberalismo reciclado, com uma face "menos desumana"? Em que condições, os Estados Unidos - que hoje subordinam financeira e militarmente os países capitalistas avançados da Europa e da Ásia - assumem cada vez mais o papel de gendarme do planeta e submetem os povos e as nações aos seus ditames?

Qual a relação da profunda crise económica, social e política do Brasil com a crise do capitalismo globalizado? Como se entre­laçam na sociedade brasileira suas contradições internas e as que lhe são externas? Que formas particulares assume a crise no nosso País? Enfim, quais os caminhos - em âmbito nacional e internacional - para a superar as causas da atual crise?

Repudiando a falsa "neutralidade" entre a barbárie e a ci­vilização, conscientes de que os caminhos ou descaminhos das sociedades humanas dependem fundamentalmente de decisões dos próprios homens, os participantes no Fórum da Solidariedade - III Seminário Internacional expressam nesta obra coletiva a sua con­vicção de que impõe-se - e é possível - construirmos uma sociedade mais justa e mais igualitária, para que a humanidade supere sua "pré-história" e dê início à verdadeira História humana.

RAULK.M.CARRION Historiador

Em nome das entidades promotoras do Fórum da Solidariedade - III Seminário Internacional A Crise do Capitalismo Globalizado na Virada do Milénio


 

A Crise do Capitalismo Globalizado na Virada do Milênio Organizado por: Raul K.M. Carrion e Paulo G. Fagundes Vizentini. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, 2000. 327p.

Centro de Debates Econômicos, Sociais e Políticos

do Rio Grande do Sul – CEDESP/RS

Rua General Lima e Silva, 818 – Cidade Baixa

CEP: 90050-100 – Porto Alegre / RS – Brasil

 

Editora da Universidade / UFRGS

Av. João Pessoa,415

CEP: 90040-000 – Porto Alegre / RS

INTRODUÇÃO

“E conforme os burgueses cantavam, assim dançavam os professores”.
Friedrich Engels, O papel da violência na História.

A crise do capitalismo globalizado na virada do milênio, título do III Seminário Internacional realizado pela UFRGS, pelo CEDESP/RS e entidades apoiadoras, constitui a principal realidade na passagem do século XX ao XXI. Em julho de 1997, quando realizamos o primeiro evento da série, a situação vigente era a mencionada na epígrafe de Engels, pois nos meios acadêmicos ainda dominavam os louvores ao neoliberalismo e à globalização. Meses depois, precipitava-se a crise financeira na Ásia e, posteriormente, no resto do mundo, conferindo sentido às análises críticas levantadas no seminário.

O segundo evento, em 1998, partiu para a discussão de alternativas ao neoliberalismo. Apesar de, no final daquele ano, Fernando Henrique Cardoso haver logrado sua reeleição, vários governos estaduais, com projetos opostos ao neoliberalismo, chegaram ao poder, com destaque para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Paralelamente, iniciava uma contínua fuga de capitais especulativos, que a respeitabilidade acadêmica denominava de “voláteis”. Meses depois, já no início de 1999, com a queda das reservas cambiais, a maxi-desvalorização derrubava o mito do Real como “moeda forte”.

Neste contexto, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul associou-se às entidades promotoras do evento, transformando-o em Fórum da Solidariedade, em resposta ao Fórum da Liberdade de perfil neoliberal. Em meio ao agravamento da crise social, à alteração do espectro político, à recessão econômica, a resistência social organizada cresceu e passou a elaborar estratégias positivas. No ano 2000, as comemorações oficiais dos Quinhentos anos do descobrimento fracassaram estrondosamente, enquanto a impopularidade do governo FHC crescia a ponto de ensejar um cenário de crise de governabilidade. O próprio empresariado começou a tomar certa distância do governo e a estudar alternativas.

A crise financeira que se configura no plano internacional, afeta diretamente a inserção econômica internacional do Brasil. A dificuldade em obter moedas conversíveis tem constituído, historicamente, um deflagrador de crises econômico-sociais, políticas e institucionais no país. Isto tem levado a rupturas político-institucionais, à alternância de governo e constituição de novos regimes, apoiados em uma nova base de poder. Estes, por sua vez, engendram novos projetos nacionais de desenvolvimento. Assim, é preciso estar atento, porque uma ruptura afigura-se como uma possibilidade cada vez mais concreta, e há que ter em campo um projeto alternativo para ocupar o espaço que se abrirá, “antes que algum aventureiro o faça”.

No plano internacional, as reuniões do FMI-Banco Mundial em Washington e a da OMC em Seattle, converteram-se em manifestações mundiais gigantescas contra a globalização de perfil neoliberal. Culminando o processo, a cidade de Porto Alegre, cujo projeto de gestão converteu-se em padrão respeitado internacionalmente, sediará em janeiro de 2001 o Fórum Social Mundial, em contraposição ao ideário do Fórum Econômico de Davos/ Suiça. As análises científicas críticas, como as de inspiração marxista, que por mais de uma década foram desacreditadas pelo discurso do pensamento único, retomam seu vigor acadêmico e social, com a crise do capitalismo neoliberal globalizado. A sociedade, em meio a problemas e riscos sérios e a um clima de incerteza, volta a se manifestar, buscando políticas de resgate da dimensão coletiva.

Assim, cremos que cumprimos uma etapa ao contribuir para despertar a coletividade para os riscos e a instabilidade da situação que vigorou no mundo por mais de uma década, e que constitui uma ameaça extremamente grave para um país como o Brasil. Somos extremamente gratos às instituições e pessoas que apoiaram nosso projeto de discussão. Quando se inicia um novo século e milênio, tal caminho deve ser aprofundado, na busca de saídas, evitando-se repetir enganos passados, pois as possibilidades que se abrem são imensas. Dez anos depois de proclamado o Fim da História, ela manifesta-se de forma intensa. Dez anos depois, a noção de sociedade volta a adquirir dinamismo, enquanto a de mercado é desacreditada pela realidade.

PAULO FAGUNDES VIZENTINI

 


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