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O cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, as
suas taxas de crescimento e o PIB per capita, não são
questões que interessem somente aos economistas pois, ao revelarem o
potencial econômico e o dinamismo das distintas economias, têm
importantes consequências geopolíticas e para a projeção do poder
nacional. Por isso, os seus debates “técnicos” também expressam
diferentes vieses ideológicos.
DISTORÇÕES NO CÁLCULO DO PIB
Segundo as Nações Unidas, o Produto Interno Bruto
(PIB) de um país é "a soma do valor bruto acrescentado de todos
os produtores residentes na economia, acrescido de quaisquer
impostos sobre os produtos e deduzido de quaisquer subsídios não
incluídos no valor dos produtos. É calculado sem fazer deduções para
a depreciação de ativos fabricados ou para o esgotamento e
degradação de recursos naturais".
Registremos, inicialmente, que o fato de não ser
deduzida a depreciação dos ativos usados na produção distorce em
parte o valor efetivamente acrescentado aos bens produzidos.
Além disso, em 1993 as Nações Unidas introduziram o
conceito de “serviços de intermediação financeira indiretamente
medidos”, SIFIM, contabilizando-os para fins do cálculo do PIB.
Apesar das atividades financeiras não produzirem qualquer “valor”,
essa inclusão das atividades financeiras no cálculo do PIB causou um
crescimento contábil do PIB, em especial nas economias altamente
financeirizadas, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Como afirma
o economista inglês John Smith, “não fossem estas alterações, o
declínio acelerado e a longo prazo do crescimento do PIB nas
economias imperialistas [...] pareceria ainda mais dramático.”
Por conta dessa inclusão de “serviços financeiros”
na contabilidade do PIB, chegamos ao absurdo de paraísos fiscais –
que praticamente nada produzem – ostentarem grandes Produtos
Internos Brutos e alguns dos PIBs per capita mais elevados do
mundo...
Segundo John Smith, outra distorção foi criada pela
inclusão de mais atividades improdutivas no cálculo do PIB: “as
atividades não produtivas incluem também a segurança, a
administração, a publicidade, todas elas [...] aumentaram a sua
parte no PIB em todos os países imperialistas e muito mais do que
nos países do Sul, aos quais cabe cada vez mais a tarefa da
produção.”
Não bastasse isso, na medida em que os economistas
burgueses (a diferença dos marxistas) consideram “valor” e “preço”
como equivalentes, eles ignoram que o preço dos bens fabricados no
“Sul Global” – em especial os produzidos e exportados por
multinacionais – são depreciados e que os preços dos bens produzidos
nos países imperialistas são artificialmente valorizados. Isso, além
de obscurecer a transferência de riqueza das economias dependentes
para as economias imperialistas, aumenta artificialmente o PIB
destas e diminui o PIB das nações espoliadas.
Estas e outras limitações do conceito do “Produto
Interno Bruto” não significam, porém, que devamos simplesmente
descartá-lo e que ele não tenha qualquer utilidade. Assim, sem
desconhecer essas distorções, devemos examinar qual das duas
modalidades do seu cálculo – PIB Nominal ou PIB por Paridade de
Poder de Compra – reflete melhor a realidade econômica.
PRODUTO INTERNO BRUTO NOMINAL (PIB-N)
O PIB Nominal, medido em dólares, tornou-se
dominante na medida em que o dólar estadunidense passou a ser moeda
de referência para as trocas internacionais e a principal moeda de
entesouramento.
Para calcular o PIB Nominal, basta expressar em
dólares estadunidenses – segundo o câmbio vigente – a soma do valor
bruto agregado de todos os bens e serviços produzidos no país. Aqui,
deve-se entender como “valor” o seu “valor monetário”.
Portanto, em nenhum momento o PIB Nominal leva em
conta o nível de vida e as diferenças de preços no país, em relação
aos Estados Unidos.
Para compreendermos a inconsistência do PIB Nominal,
basta imaginar um país que sofra um ataque cambial e a sua moeda
tenha uma queda de 20% em relação ao dólar estadunidense. Em
consequência, ele terá o seu PIB Nominal reduzido em 20%, ainda que
continue a produzir a mesma quantidade de bens e serviços! A mesma
distorção ocorrerá com um país que mantenha o seu câmbio
subvalorizado para incentivar as exportações.
O cálculo do PIB Nominal também desconsidera o fato
do dólar estadunidense ter em um dado país um poder de compra muito
maior do que nos Estados Unidos, o que faz com que o “valor
monetário” da produção desse país seja depreciado.
PRODUTO INTERNO BRUTO POR PARIDADE DO PODER DE COMPRA
(PIB-PPC)
A Paridade do Poder de Compra – também
chamada dólar internacional (IU$) –, é construída a partir de uma
cesta internacional de mercadorias e serviços, periodicamente
ajustada a partir de pesquisas de preços e composição de gastos dos
diferentes países.
Em cada país, o preço da cesta internacional em
moeda local é comparado com o preço da mesma cesta em dólares nos
Estados Unidos. Dessa forma, a PPC foge de uma comparação tendo por
base somente a taxa de câmbio e leva em conta as diferenças de
rendimentos da população, assim como os preços praticados em cada
país, o que nos proporciona um melhor parâmetro para comparar o peso
e a pujança das diferentes economias.
A teoria da PPC foi formulada pelo economista
sueco Gustav Cassel e a mensuração da Paridade do Poder de Compra
para uso internacional foi desenvolvida a partir do Programa de
Comparações Internacionais das Nações Unidas. Entre os organismos
internacionais que utilizam o PPC, destacam-se o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial (BM) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI).
PIB-PPC E PIB-N DAS PRINCIPAIS ECONOMIAS DO MUNDO
Isto posto, é importante compararmos os valores do
PIB-PPC (calculado pelo FMI) com o PIB Nominal, nas maiores
economias do mundo, no ano de 2024 (em trilhões de USD$):
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2024 |
PIB-PPC |
PIB-N |
|
| |
China |
37,07 (1º) |
17,79 (2º) |
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| |
EUA |
29,17 (2º) |
29,17 (1º)
|
|
| |
Índia |
16,02 (3º) |
3,89 (5º) |
|
| |
Rússia |
6,91 (4º) |
2,18 (11º) |
|
| |
Japão |
6,57 (5º) |
4,07 (4º) |
|
| |
Alemanha |
6,02 (6º) |
4,71 (3º) |
|
| |
Brasil |
4,70 (7º) |
2,19 (10º) |
|
| |
Indonésia |
4,66 (8º) |
1,40 (16º) |
|
| |
França |
4,36 (9º) |
3,17 (7º) |
|
| |
Reino Unido |
4,28 (10º) |
3,59 (6º) |
|
Como podemos perceber, o PIB Nominal altera
radicalmente a ordem estabelecida pelo PIB-PPC, elevando a
classificação dos países imperialistas – EUA (2º para 1º), Alemanha
(6º para 3º), Japão (5º para 4º), Reino Unido (10º para 6º) e França
(9º para 7º) –, ao mesmo tempo que rebaixa todos os países do
chamado “Sul Global” – China (1º para 2º), Índia (3º para 5º),
Rússia (4º para 11º), Brasil (7º para 10º) e Indonésia (8º para
16º).
Com o “rebaixamento” da Rússia e da Indonésia,
ingressam no grupo seleto das 10 maiores economias outros dois
países do chamado “ocidente coletivo” – Itália (11º para 8º) e
Canadá (16º para 9º).
Penso que ficam evidentes os interesses que existem
no uso, ainda nos dias de hoje, da metodologia do PIB Nominal, com
todas as suas conhecidas distorções, ao invés do PIB-PPC, muito mais
fiel à realidade.
Me parece importante, ainda, comparar a evolução do
PIB-PPC da China e dos EUA. Em abril de 2018, o PIB-PPC da China foi
de 25,2 trilhões de USD$, tendo passado, em fins de 2024, para 37,1
trilhões de USD$, acumulando um crescimento de 49,6%. Já os EUA
passaram de 20,4 trilhões de USD$ para 29,2 trilhões de USD$, no
mesmo período, registrando um crescimento de 34,3%, bastante
inferior ao chinês. Ou seja, a diferença entre o peso econômico da
China socialista e o peso econômico do principal país imperialista
está aumentando com o passar dos anos.
Uma segunda comparação interessante é entre os cinco
países que participam do BRICs e fazem parte do grupo das 10 maiores
economias do planeta – China, Índia, Rússia, Brasil e Indonésia – e
os cinco países do “ocidente coletivo”, que também participam do
grupo das dez maiores economias do mundo – EUA, Japão, Alemanha,
França e Reino Unido. Os cinco primeiros somam um PIB-PPC de 69,4
trilhões de USD$, enquanto os outros cinco totalizam 50,4 trilhões
de USD$, 38% a menos. Em relação ao seu dinamismo, os cinco
primeiros tiveram, entre 2018 e 2024, um crescimento de 48,5%,
enquanto os outros cinco cresceram apenas 38,5%. Ou seja, os países
do BRICS têm mantido um crescimento superior ao das nações
ocidentais.
CONCLUSÕES
-
O Produto Interno Bruto – que procura quantificar
o valor monetário agregado de todos os bens e serviços
produzidos em um dado país – tem diversas limitações, mas
continua válido como um instrumento de comparação entre
diferentes economias.
-
O seu cálculo pode usar duas metodologias
distintas: a do “PIB nominal” e a do “PIB por paridade do poder
de compra”.
-
O PIB Nominal resume-se a expressar em dólares
estadunidenses – segundo o câmbio vigente – o valor agregado de
todos os bens e serviços produzidos no país.
-
O PIB por paridade do poder de compra considera
uma cesta internacional de mercadorias e serviços e compara o
seu preço no país em questão e nos EUA, levando em conta as
diferenças de rendimentos e de preços. Dessa forma, consegue
mensurar melhor os valores agregados à produção, expressando-os
em dólares.
-
Apesar do PIB-PPC ser mais fiel à realidade e ser
utilizado pelo FMI, Banco Mundial e outros importantes
organismos internacionais, o PIB Nominal ainda é bastante
utilizado, até porque ajuda a mascarar o declínio econômico dos
países imperialistas.
Apesar do PIB-PPC ser mais fiel à realidade e ser
utilizado pelo FMI, Banco Mundial e outros importantes organismos
internacionais, o PIB Nominal ainda é bastante utilizado, até porque
ajuda a mascarar o declínio econômico dos países imperialistas.
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