Porto Alegre, sábado, 13 de dezembro de 2025

   
PIB por Paridade do poder de compra ou PIB Nominal?

Raul K. M. Carrion | Historiador
10 de feveiro de 2025

 

       O cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, as suas taxas de crescimento e o PIB per capita, não são questões que interessem somente aos economistas pois, ao revelarem o potencial econômico e o dinamismo das distintas economias, têm importantes consequências geopolíticas e para a projeção do poder nacional. Por isso, os seus debates “técnicos” também expressam diferentes vieses ideológicos.

DISTORÇÕES NO CÁLCULO DO PIB

     Segundo as Nações Unidas, o Produto Interno Bruto (PIB) de um país é "a soma do valor bruto acrescentado de todos os produtores residentes na economia, acrescido de quaisquer impostos sobre os produtos e deduzido de quaisquer subsídios não incluídos no valor dos produtos. É calculado sem fazer deduções para a depreciação de ativos fabricados ou para o esgotamento e degradação de recursos naturais".

     Registremos, inicialmente, que o fato de não ser deduzida a depreciação dos ativos usados na produção distorce em parte o valor efetivamente acrescentado aos bens produzidos.

     Além disso, em 1993 as Nações Unidas introduziram o conceito de “serviços de intermediação financeira indiretamente medidos”, SIFIM, contabilizando-os para fins do cálculo do PIB. Apesar das atividades financeiras não produzirem qualquer “valor”, essa inclusão das atividades financeiras no cálculo do PIB causou um crescimento contábil do PIB, em especial nas economias altamente financeirizadas, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Como afirma o economista inglês John Smith, “não fossem estas alterações, o declínio acelerado e a longo prazo do crescimento do PIB nas economias imperialistas [...] pareceria ainda mais dramático.”

     Por conta dessa inclusão de “serviços financeiros” na contabilidade do PIB, chegamos ao absurdo de paraísos fiscais – que praticamente nada produzem – ostentarem grandes Produtos Internos Brutos e alguns dos PIBs per capita mais elevados do mundo...

     Segundo John Smith, outra distorção foi criada pela inclusão de mais atividades improdutivas no cálculo do PIB: “as atividades não produtivas incluem também a segurança, a administração, a publicidade, todas elas [...] aumentaram a sua parte no PIB em todos os países imperialistas e muito mais do que nos países do Sul, aos quais cabe cada vez mais a tarefa da produção.

     Não bastasse isso, na medida em que os economistas burgueses (a diferença dos marxistas) consideram “valor” e “preço” como equivalentes, eles ignoram que o preço dos bens fabricados no “Sul Global” – em especial os produzidos e exportados por multinacionais – são depreciados e que os preços dos bens produzidos nos países imperialistas são artificialmente valorizados. Isso, além de obscurecer a transferência de riqueza das economias dependentes para as economias imperialistas, aumenta artificialmente o PIB destas e diminui o PIB das nações espoliadas.

     Estas e outras limitações do conceito do “Produto Interno Bruto” não significam, porém, que devamos simplesmente descartá-lo e que ele não tenha qualquer utilidade. Assim, sem desconhecer essas distorções, devemos examinar qual das duas modalidades do seu cálculo – PIB Nominal ou PIB por Paridade de Poder de Compra – reflete melhor a realidade econômica.

PRODUTO INTERNO BRUTO NOMINAL (PIB-N)

     O PIB Nominal, medido em dólares, tornou-se dominante na medida em que o dólar estadunidense passou a ser moeda de referência para as trocas internacionais e a principal moeda de entesouramento.

     Para calcular o PIB Nominal, basta expressar em dólares estadunidenses – segundo o câmbio vigente – a soma do valor bruto agregado de todos os bens e serviços produzidos no país. Aqui, deve-se entender como “valor” o seu “valor monetário”.

     Portanto, em nenhum momento o PIB Nominal leva em conta o nível de vida e as diferenças de preços no país, em relação aos Estados Unidos.

     Para compreendermos a inconsistência do PIB Nominal, basta imaginar um país que sofra um ataque cambial e a sua moeda tenha uma queda de 20% em relação ao dólar estadunidense. Em consequência, ele terá o seu PIB Nominal reduzido em 20%, ainda que continue a produzir a mesma quantidade de bens e serviços! A mesma distorção ocorrerá com um país que mantenha o seu câmbio subvalorizado para incentivar as exportações.

     O cálculo do PIB Nominal também desconsidera o fato do dólar estadunidense ter em um dado país um poder de compra muito maior do que nos Estados Unidos, o que faz com que o “valor monetário” da produção desse país seja depreciado.

PRODUTO INTERNO BRUTO POR PARIDADE DO PODER DE COMPRA (PIB-PPC)

     A Paridade do Poder de Compra – também chamada dólar internacional (IU$) –, é construída a partir de uma cesta internacional de mercadorias e serviços, periodicamente ajustada a partir de pesquisas de preços e composição de gastos dos diferentes países.

     Em cada país, o preço da cesta internacional em moeda local é comparado com o preço da mesma cesta em dólares nos Estados Unidos. Dessa forma, a PPC foge de uma comparação tendo por base somente a taxa de câmbio e leva em conta as diferenças de rendimentos da população, assim como os preços praticados em cada país, o que nos proporciona um melhor parâmetro para comparar o peso e a pujança das diferentes economias.

     A teoria da PPC foi formulada pelo economista sueco Gustav Cassel e a mensuração da Paridade do Poder de Compra para uso internacional foi desenvolvida a partir do Programa de Comparações Internacionais das Nações Unidas. Entre os organismos internacionais que utilizam o PPC, destacam-se o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

PIB-PPC E PIB-N DAS PRINCIPAIS ECONOMIAS DO MUNDO

     Isto posto, é importante compararmos os valores do PIB-PPC (calculado pelo FMI) com o PIB Nominal, nas maiores economias do mundo, no ano de 2024 (em trilhões de USD$):

 

  2024     PIB-PPC PIB-N  
  China 37,07  (1º) 17,79  (2º)  
  EUA 29,17  (2º) 29,17  (1º)  
  Índia 16,02  (3º) 3,89  (5º)  
  Rússia 6,91  (4º) 2,18  (11º)  
  Japão 6,57  (5º) 4,07  (4º)  
  Alemanha 6,02  (6º) 4,71  (3º)  
  Brasil 4,70  (7º) 2,19  (10º)  
  Indonésia 4,66  (8º) 1,40  (16º)  
  França 4,36  (9º) 3,17  (7º)  
  Reino Unido 4,28  (10º) 3,59  (6º)  

     Como podemos perceber, o PIB Nominal altera radicalmente a ordem estabelecida pelo PIB-PPC, elevando a classificação dos países imperialistas – EUA (2º para 1º), Alemanha (6º para 3º), Japão (5º para 4º), Reino Unido (10º para 6º) e França (9º para 7º) –, ao mesmo tempo que rebaixa todos os países do chamado “Sul Global” – China (1º para 2º), Índia (3º para 5º), Rússia (4º para 11º), Brasil (7º para 10º) e Indonésia (8º para 16º).

     Com o “rebaixamento” da Rússia e da Indonésia, ingressam no grupo seleto das 10 maiores economias outros dois países do chamado “ocidente coletivo” – Itália (11º para 8º) e Canadá (16º para 9º).

     Penso que ficam evidentes os interesses que existem no uso, ainda nos dias de hoje, da metodologia do PIB Nominal, com todas as suas conhecidas distorções, ao invés do PIB-PPC, muito mais fiel à realidade.

     Me parece importante, ainda, comparar a evolução do PIB-PPC da China e dos EUA. Em abril de 2018, o PIB-PPC da China foi de 25,2 trilhões de USD$, tendo passado, em fins de 2024, para 37,1 trilhões de USD$, acumulando um crescimento de 49,6%. Já os EUA passaram de 20,4 trilhões de USD$ para 29,2 trilhões de USD$, no mesmo período, registrando um crescimento de 34,3%, bastante inferior ao chinês. Ou seja, a diferença entre o peso econômico da China socialista e o peso econômico do principal país imperialista está aumentando com o passar dos anos.

     Uma segunda comparação interessante é entre os cinco países que participam do BRICs e fazem parte do grupo das 10 maiores economias do planeta – China, Índia, Rússia, Brasil e Indonésia – e os cinco países do “ocidente coletivo”, que também participam do grupo das dez maiores economias do mundo – EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Os cinco primeiros somam um PIB-PPC de 69,4 trilhões de USD$, enquanto os outros cinco totalizam 50,4 trilhões de USD$, 38% a menos. Em relação ao seu dinamismo, os cinco primeiros tiveram, entre 2018 e 2024, um crescimento de 48,5%, enquanto os outros cinco cresceram apenas 38,5%. Ou seja, os países do BRICS têm mantido um crescimento superior ao das nações ocidentais.

CONCLUSÕES

  • O Produto Interno Bruto – que procura quantificar o valor monetário agregado de todos os bens e serviços produzidos em um dado país – tem diversas limitações, mas continua válido como um instrumento de comparação entre diferentes economias.

  • O seu cálculo pode usar duas metodologias distintas: a do “PIB nominal” e a do “PIB por paridade do poder de compra”.

  • O PIB Nominal resume-se a expressar em dólares estadunidenses – segundo o câmbio vigente – o valor agregado de todos os bens e serviços produzidos no país.

  • O PIB por paridade do poder de compra considera uma cesta internacional de mercadorias e serviços e compara o seu preço no país em questão e nos EUA, levando em conta as diferenças de rendimentos e de preços. Dessa forma, consegue mensurar melhor os valores agregados à produção, expressando-os em dólares.

  • Apesar do PIB-PPC ser mais fiel à realidade e ser utilizado pelo FMI, Banco Mundial e outros importantes organismos internacionais, o PIB Nominal ainda é bastante utilizado, até porque ajuda a mascarar o declínio econômico dos países imperialistas.

      Apesar do PIB-PPC ser mais fiel à realidade e ser utilizado pelo FMI, Banco Mundial e outros importantes organismos internacionais, o PIB Nominal ainda é bastante utilizado, até porque ajuda a mascarar o declínio econômico dos países imperialistas.