Depois
de ter disputado a Presidência do Chile por três vezes sem
êxito (52, 58, 64), o socialista Salvador Allende concorreu
pela quarta vez por uma ampla frente de centro-esquerda – a
Unidade Popular, formada pelo PS, PC, MAPU
(dissidência da DC), API e Partido Radical e
Social-Democrata – e venceu as disputadíssimas eleições de 4
de setembro de 1970, derrotando o direitista Jorge
Alessandri e o democrata-cristão Radomiro Tomic. Ao obter
36,6% dos votos, Allende foi o mais votado, mas não obteve a
maioria absoluta dos votos, precisando submeter-se a
aprovação do Congresso Pleno, em sessão a realizar-se no dia
24 de outubro.
A eleição de Salvador Allende foi
considerada “inaceitável” pelos Estados Unidos, que – como
comprovam documentos desclassificados dos EUA e o Informe da
Comissão Church, do Senado estadunidense – haviam despejado
milhões de dólares nas campanhas de seus adversários, já
durante o processo eleitoral, inundado o país de fake
news (como se diz hoje) e financiado regiamente a
imprensa conservadora, em especial “El Mercurio”,
para que atacasse dia e noite o candidato socialista.
Logo após a vitória de Allende, Nixon
convocou Henri Kissinger – seu assessor para Assuntos de
Segurança Nacional – e Richard Helms, diretor da CIA, para
comunicar-lhes que “um governo allendista era inaceitável
para os Estados Unidos e instruiu a CIA a desempenhar um
papel direto na organização de um golpe de Estado no Chile,
para evitar que Allende assumisse a Presidência.”
(Informe Church). De imediato, foram liberados dez milhões
de dólares para isso.
A partir de então, foi tentado de tudo.
Desde a compra de votos de congressistas democrata-cristãos,
para que – rompendo com uma longa tradição republicana – não
ratificassem a vitória de Allende e elegessem o direitista
Jorge Alessandri (o segundo mais votado), até o golpe de
Estado. Só estava excluída a invasão direta por marines
“ao estilo República Dominicana”. Fracassada a tentativa de
suborno aos congressistas, ganhou força a alternativa do
golpe militar, envolvendo os generais Roberto Viaux e Camilo
Valenzuela, além de altos escalões da Marinha, Força Aérea e
Carabineiros, mas o golpe esbarrou na postura legalista do
General René Schneider, comandante-em-chefe do Exército
chileno.
A CIA decidiu, então, remover esse
obstáculo e forneceu armas e dólares para o assassinato do
General Schneider. Depois de duas tentativas frustradas, o
general Schneider foi emboscado por cinco homens que o
metralharam em seu carro oficial. O atentado ocorreu no dia
22 de outubro, antevéspera da reunião do Congresso Pleno
que ratificaria ou não a vitória de Allende. Gravemente
ferido, Schneider foi levado às pressas para um Hospital
Militar, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu em 25 de
outubro.
O atentado contra o general Schneider
criou uma comoção nacional que paralisou os generais
golpistas e favoreceu a confirmação pelo Parlamento da
vitória de Salvador Allende, que lhe deu 153 votos (78,46%),
contra 35 votos para Alessandri e 7 abstenções. Finalmente,
no dia 3 de novembro, Salvador Allende assumiu a Presidência
do Chile. Desde então as elites dominantes do Chile e dos
Estados Unidos não lhe deram um só minuto de trégua, tudo
fazendo para desestabilizar o seu governo, até derrubá-lo e
assassiná-lo através do golpe fascista de Pinochet!
Nesse início dos anos 70, mais de cinco
mil brasileiros viviam exilados no Chile, convivendo com
exilados de todo o continente, acolhidos solidariamente pelo
povo chileno. Desenvolvendo um trabalho de denúncia da
ditadura militar e solidariedade às lutas do povo
brasileiro, lá se encontravam vários militantes e dirigentes
do Partido Comunista do Brasil – entre eles Diógenes Arruda,
Dynéas Aguiar, Amarildo Vasconcelos, Raul Carrion, Teresa
Costa Rego –, que sempre contaram com o apoio do Partido
Comunista do Chile, Partido Socialista e outras forças
progressistas para com esse trabalho de solidariedade.
O Chile vivia momentos de suma
gravidade.
As forças de direita e os Estados Unidos
começaram a preparação de um golpe militar contra Allende.
Os documentos desclassificados comprovam que o maior temor
dos EUA era que o Chile chegasse ao socialismo através de
eleições democráticas, tornando-se um mau exemplo para o
resto do mundo.
No primeiro ano do governo Allende, o
PIB havia crescido 8,5%, o desemprego baixara 4% e os
trabalhadores haviam ampliado a sua parcela na renda
nacional de 51 para 63%. Esses avanços se refletiram nas
eleições municipais de 1971, quando a Unidade Popular obteve
50,2% dos votos. As eleições seguintes, para o parlamento,
ocorreram em 4 março de 1973. Ainda que a Unidade Popular
não tivesse obtido a maioria, teve uma nova vitória,
conquistando 43% dos votos e acabando com as esperanças da
direita de ter maioria suficiente para destituir
constitucionalmente Allende. Um Informe da CIA, de
06.03.1973, dizia: “Estamos discutindo futuras opções à
luz dos decepcionantes resultados eleitorais, que permitirão
a Allende e à UP levar adiante o seu programa com maior
força e entusiasmo.”
Os golpistas decidiram, então, acelerar
a preparação do golpe através da desestabilização da
economia chilena. Para isso, suspenderam todo e qualquer
investimento, refrearam a produção; causaram o
desabastecimento de produtos de primeira necessidade,
ocultaram produtos para vendê-los a preços exorbitantes no
“mercado negro”, especularam contra a moeda chilena,
bloquearam os empréstimos externos ao Chile, financiaram
greves de caminhoneiros com dólares da CIA, desataram uma
campanha midiática implacável contra o governo e aliciaram
altos oficiais das Forças Armadas para o golpe.
Para enfrentar o desabastecimento, o
governo criou as “Juntas de Abastecimento e Preços”
(JAPs) nas vilas e nos bairros, onde as famílias inscritas
tinham direito a uma “cesta” de produtos básicos a um preço
tabelado. Essa iniciativa, de profundo sentido social, foi
apresentada pela imprensa como “mais um passo em direção
ao comunismo”.
Falando sobre essa “guerra econômica”
contra o governo Allende, o ex-agente da CIA Philip Agee
afirmou, anos depois: “a CIA, ao financiar os
caminhoneiros, comerciantes e outras associações contra o
regime de Allende, pôde criar a aparência de caos e
desorganização, que sempre atrai os líderes militares de
direita, já que estes sempre advogam por ordem e disciplina.
O quadro faria com que eles interviessem para restaurar a
ordem, a paz e a dignidade da nação.” E o Informe
Church revela que “a CIA gastou mais de um milhão e
meio de dólares para apoiar El Mercúrio, o principal jornal
do país e o mais importante canal de propaganda contra
Allende.”
No contexto desta escalada golpista,
aconteceu no dia 29 de junho o “Tancazo” – uma tentativa de
golpe a partir do Batalhão Blindado comandado pelo Coronel
Souper, que só foi abortado devido à atitude firme do
comandante-em-chefe do Exército – General Prats –, que
percorreu os quartéis reunindo forças para deter os
golpistas. Em 26 de julho, foi assassinado com um tiro o
comandante Arturo Araya, ajudante naval do Presidente.
Depois do golpe, se soube que o seu assassinato foi obra do
grupo terrorista de ultra-direita Pátria y Libertad.
Era preciso afastar o General Prats, o
último obstáculo ao golpe. E isso foi conseguido através da
sua renúncia, em 23 de agosto, depois de fortes pressões. Em
seu lugar assumiu o General Pinochet. Estava aberto o
caminho para o golpe, que ocorreu 19 dias depois, sob o
comando do próprio Pinochet.
O dia 11 de setembro amanheceu com o
Palácio La Moneda sendo bombardeado pela aviação
golpista e cercado por tanques e militares. Poucas horas
depois, Salvador Allende estava morto, o golpe consumado e
tiveram início as prisões e os assassinatos.