Porto Alegre, terça-feira, 18 de novembro de 2025

   
A vitória de Salvador Allende e o golpe militar de Pinochet

Raul K. M. Carrion | Historiador
18 de outubro de 2022

   Depois de ter disputado a Presidência do Chile por três vezes sem êxito (52, 58, 64), o socialista Salvador Allende concorreu pela quarta vez por uma ampla frente de centro-esquerda – a Unidade Popular, formada pelo PS, PC, MAPU (dissidência da DC), API e Partido Radical e Social-Democrata – e venceu as disputadíssimas eleições de 4 de setembro de 1970, derrotando o direitista Jorge Alessandri e o democrata-cristão Radomiro Tomic. Ao obter 36,6% dos votos, Allende foi o mais votado, mas não obteve a maioria absoluta dos votos, precisando submeter-se a aprovação do Congresso Pleno, em sessão a realizar-se no dia 24 de outubro.

A eleição de Salvador Allende foi considerada “inaceitável” pelos Estados Unidos, que – como comprovam documentos desclassificados dos EUA e o Informe da Comissão Church, do Senado estadunidense – haviam despejado milhões de dólares nas campanhas de seus adversários, já durante o processo eleitoral, inundado o país de fake news (como se diz hoje) e financiado regiamente a imprensa conservadora, em especial “El Mercurio”, para que atacasse dia e noite o candidato socialista.

Logo após a vitória de Allende, Nixon convocou Henri Kissinger – seu assessor para Assuntos de Segurança Nacional – e Richard Helms, diretor da CIA, para comunicar-lhes que “um governo allendista era inaceitável para os Estados Unidos e instruiu a CIA a desempenhar um papel direto na organização de um golpe de Estado no Chile, para evitar que Allende assumisse a Presidência.” (Informe Church). De imediato, foram liberados dez milhões de dólares para isso.

A partir de então, foi tentado de tudo. Desde a compra de votos de congressistas democrata-cristãos, para que – rompendo com uma longa tradição republicana – não ratificassem a vitória de Allende e elegessem o direitista Jorge Alessandri (o segundo mais votado), até o golpe de Estado. Só estava excluída a invasão direta por marines “ao estilo República Dominicana”. Fracassada a tentativa de suborno aos congressistas, ganhou força a alternativa do golpe militar, envolvendo os generais Roberto Viaux e Camilo Valenzuela, além de altos escalões da Marinha, Força Aérea e Carabineiros, mas o golpe esbarrou na postura legalista do General René Schneider, comandante-em-chefe do Exército chileno.

A CIA decidiu, então, remover esse obstáculo e forneceu armas e dólares para o assassinato do General Schneider. Depois de duas tentativas frustradas, o general Schneider foi emboscado por cinco homens que o metralharam em seu carro oficial. O atentado ocorreu no dia 22 de outubro, antevéspera da reunião do Congresso Pleno que ratificaria ou não a vitória de Allende. Gravemente ferido, Schneider foi levado às pressas para um Hospital Militar, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu em 25 de outubro.

O atentado contra o general Schneider criou uma comoção nacional que paralisou os generais golpistas e favoreceu a confirmação pelo Parlamento da vitória de Salvador Allende, que lhe deu 153 votos (78,46%), contra 35 votos para Alessandri e 7 abstenções. Finalmente, no dia 3 de novembro, Salvador Allende assumiu a Presidência do Chile. Desde então as elites dominantes do Chile e dos Estados Unidos não lhe deram um só minuto de trégua, tudo fazendo para desestabilizar o seu governo, até derrubá-lo e assassiná-lo através do golpe fascista de Pinochet!

Nesse início dos anos 70, mais de cinco mil brasileiros viviam exilados no Chile, convivendo com exilados de todo o continente, acolhidos solidariamente pelo povo chileno. Desenvolvendo um trabalho de denúncia da ditadura militar e solidariedade às lutas do povo brasileiro, lá se encontravam vários militantes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil – entre eles Diógenes Arruda, Dynéas Aguiar, Amarildo Vasconcelos, Raul Carrion, Teresa Costa Rego –, que sempre contaram com o apoio do Partido Comunista do Chile, Partido Socialista e outras forças progressistas para com esse trabalho de solidariedade.

O Chile vivia momentos de suma gravidade.

As forças de direita e os Estados Unidos começaram a preparação de um golpe militar contra Allende. Os documentos desclassificados comprovam que o maior temor dos EUA era que o Chile chegasse ao socialismo através de eleições democráticas, tornando-se um mau exemplo para o resto do mundo.

No primeiro ano do governo Allende, o PIB havia crescido 8,5%, o desemprego baixara 4% e os trabalhadores haviam ampliado a sua parcela na renda nacional de 51 para 63%. Esses avanços se refletiram nas eleições municipais de 1971, quando a Unidade Popular obteve 50,2% dos votos. As eleições seguintes, para o parlamento, ocorreram em 4 março de 1973. Ainda que a Unidade Popular não tivesse obtido a maioria, teve uma nova vitória, conquistando 43% dos votos e acabando com as esperanças da direita de ter maioria suficiente para destituir constitucionalmente Allende. Um Informe da CIA, de 06.03.1973, dizia: “Estamos discutindo futuras opções à luz dos decepcionantes resultados eleitorais, que permitirão a Allende e à UP levar adiante o seu programa com maior força e entusiasmo.

Os golpistas decidiram, então, acelerar a preparação do golpe através da desestabilização da economia chilena. Para isso, suspenderam todo e qualquer investimento, refrearam a produção; causaram o desabastecimento de produtos de primeira necessidade, ocultaram produtos para vendê-los a preços exorbitantes no “mercado negro”, especularam contra a moeda chilena, bloquearam os empréstimos externos ao Chile, financiaram greves de caminhoneiros com dólares da CIA, desataram uma campanha midiática implacável contra o governo e aliciaram altos oficiais das Forças Armadas para o golpe.

Para enfrentar o desabastecimento, o governo criou as Juntas de Abastecimento e Preços” (JAPs) nas vilas e nos bairros, onde as famílias inscritas tinham direito a uma “cesta” de produtos básicos a um preço tabelado. Essa iniciativa, de profundo sentido social, foi apresentada pela imprensa como “mais um passo em direção ao comunismo”.

Falando sobre essa “guerra econômica” contra o governo Allende, o ex-agente da CIA Philip Agee afirmou, anos depois: “a CIA, ao financiar os caminhoneiros, comerciantes e outras associações contra o regime de Allende, pôde criar a aparência de caos e desorganização, que sempre atrai os líderes militares de direita, já que estes sempre advogam por ordem e disciplina. O quadro faria com que eles interviessem para restaurar a ordem, a paz e a dignidade da nação.” E o Informe Church revela que “a CIA gastou mais de um milhão e meio de dólares para apoiar El Mercúrio, o principal jornal do país e o mais importante canal de propaganda contra Allende.

No contexto desta escalada golpista, aconteceu no dia 29 de junho o “Tancazo” – uma tentativa de golpe a partir do Batalhão Blindado comandado pelo Coronel Souper, que só foi abortado devido à atitude firme do comandante-em-chefe do Exército – General Prats –, que percorreu os quartéis reunindo forças para deter os golpistas. Em 26 de julho, foi assassinado com um tiro o comandante Arturo Araya, ajudante naval do Presidente. Depois do golpe, se soube que o seu assassinato foi obra do grupo terrorista de ultra-direita Pátria y Libertad.

Era preciso afastar o General Prats, o último obstáculo ao golpe.  E isso foi conseguido através da sua renúncia, em 23 de agosto, depois de fortes pressões. Em seu lugar assumiu o General Pinochet. Estava aberto o caminho para o golpe, que ocorreu 19 dias depois, sob o comando do próprio Pinochet.

O dia 11 de setembro amanheceu com o Palácio La Moneda sendo bombardeado pela aviação golpista e cercado por tanques e militares. Poucas horas depois, Salvador Allende estava morto, o golpe consumado e tiveram início as prisões e os assassinatos.