Biografia   Atuação Parlamentar   Publicações Textos Vídeos

   Porto Alegre, quarta-feira, 24 de abril de 2024

   
Lenin e os “compromissos” na luta de classes

Raul K. M. Carrion

O Brasil vive momentos de grande acirramento da luta de classes, o que faz com que novos contingentes de homens e mulheres se integrem ao combate, muitas vezes carentes de uma maior experiência política. Ao mesmo tempo, as circunstâncias altamente mutáveis e a correlação de forças momentaneamente desfavorável exigem de todos nós grande argúcia e habilidade tática, para enfrentar a ofensiva das forças conservadoras e de direita.

Frente a essa difícil situação – que exige manobras, recuos, concessões, busca de aliados (mesmo que instáveis) para enfrentar os ataques dos inimigos e passar à contra-ofensiva – observa-se o surgimento de opiniões estreitas e sectárias que, caso prevaleçam, podem nos levar à derrota nesse difícil enfrentamento. “Nenhum compromisso!”, “Nenhum acordo!”, “Nenhuma tratativa com os que vacilam!” são algumas das “frases altissonantes” que surgem freqüentemente e se apresentam como a expressão mais avançada e conseqüente da luta...

Nesse contexto, impõe-se relembrar os ensinamentos do grande revolucionário russo Vladimir Ilich Ulyanov LENIN, que em diversos momentos examinou os inevitáveis “compromissos” no processo da luta de classes. Em 1918, respondendo aos auto-proclamados “comunistas de esquerda”, que criticavam os bolcheviques por terem assinado com a Alemanha a Paz de Brest-Litovsk, imposta pela superioridade militar alemã, LENIN afirmou: “nossos comunistas ‘de esquerda’ (...) não sabem pensar na correlação de forças, não sabem ter em consideração a correlação de forças. Nisso reside o cerne do marxismo e da tática marxista.” (1) “Aceitar o combate, quando ele é manifestamente vantajoso ao inimigo e não a nós, constitui um crime e para nada servem os políticos da classe revolucionária que não sabem ‘manobrar’, que não sabem concertar ‘acordos e compromissos’ a fim de evitar um combate com toda certeza desfavorável.” (2) Nesse mesmo ano, criticando a “fraseologia esquerdista”, arrematou:

A frase revolucionária costuma ser freqüentemente o mal de que sofrem os partidos revolucionários nas circunstâncias em que fazem a ligação, a associação e o entrelaçamento dos elementos proletários e pequeno-burgueses e quando o curso dos acontecimentos revolucionários mostra importantes e bruscas mudanças. A frase revolucionária é a repetição das consignas revolucionárias sem ter em conta as circunstâncias objetivas da virada nos acontecimentos, que ocorrem na situação do momento. Consignas magníficas, atraentes e embriagadoras, mas desprovidas de base: essa a essência da frase revolucionária.” (3)

Em 1920, fazendo um balanço de mais de dois anos e meio de poder proletário na Rússia e visando combater as posições “esquerdistas” que proliferavam no nascente movimento comunista internacional, LENIN escreveu “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo”, onde analisa, primeiramente, as causas do surgimento do esquerdismo: “os revolucionários muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários pequeno-burgueses, inclusive de idade muitos respeitável e de grande experiência, consideram extraordinariamente ‘perigoso’, incompreensível e errôneo ‘autorizar os compromissos’.” (4)

A seguir, LENIN distingue entre “compromissos” necessários – impostos pelas condições objetivas e por uma correlação de forças desfavorável – e “compromissos” que significam traição:

Todo proletário conhece greves, conhece ‘compromissos’ com os odiados opressores e exploradores, depois dos quais os operários tiveram que voltar ao trabalho sem haver conseguido nada ou obtendo a satisfação parcial de suas reivindicações. Todo proletário, graças ao ambiente de luta de massas e de acentuado aguçamento dos antagonismos de classe em que vive, observa a diferença existente entre um compromisso imposto por condições objetivas (...) – compromisso que em nada diminui a abnegação revolucionária nem a disposição em continuar a luta dos operários que o contraíram – e, de outra parte, um compromisso de traidores que atribuem a causas objetivas o seu vil egoísmo (...) sua covardia, seu desejo de ganhar a boa vontade dos capitalistas, sua falta de firmeza ante as ameaças e, as vezes, ante as exortações, as esmolas e os afagos dos capitalistas”. (5)

Ou seja, LENIN não justifica todo o tipo de “compromissos”, mas indica o equívoco de rejeitar os “compromissos” em todas as circunstâncias, colocando a necessidade de analisá-los de forma concreta, caso a caso, examinando se contribuem ou prejudicam a luta:

A conclusão é clara: rechaçar os compromissos ‘por princípio’, negar a legitimidade de todo compromisso em geral, qualquer que seja, constitui uma puerilidade que inclusive é difícil levar a sério. O político que queira ser útil ao proletariado revolucionário deve saber distinguir os casos concretos de compromissos que são precisamente inadmissíveis, que são uma expressão de oportunismo e de traição, e dirigir contra tais compromissos concretos toda a força da crítica, todo o fio de um desmascaramento implacável e de uma guerra sem quartel. (...) Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso ou de cada variedade de compromisso. Deve-se saber distinguir o homem que entrega aos bandidos a sua bolsa e as suas armas, para diminuir o mal causado por eles e facilitar a sua captura e execução, do que dá aos bandidos a sua bolsa e as suas armas, para participar na divisão do botim.” (6)

E conclui com a necessidade de utilizar todo o tipo de contradições no seio das classes dominantes e o absurdo de renunciar a qualquer acordo ou compromisso no processo da luta:

toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e de compromissos com outros partidos, incluídos os partidos burgueses! Fazer a guerra para derrotar a burguesia internacional – uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras correntes entre Estados – e renunciar de antemão a toda manobra, a explorar os antagonismos de interesses (ainda que só sejam temporários) que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que sejam provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais) não é, por acaso, algo indizivelmente ridículo? (...) A tática acertada (...) deve consistir em utilizar essas vacilações e não, de modo algum, em desdenhá-las; para utilizá-las há que fazer concessões aos elementos que se inclinam em direção ao proletariado – no caso e na medida exata em que o fazem – e, ao mesmo tempo, lutar contra os elementos que se inclinam em direção à burguesia. (...) Quem não compreende isso, não compreende nem uma palavra de marxismo nem de socialismo científico contemporâneo, em geral.” (7)

Trazendo esse debate para os dias de hoje, ressalta a necessidade de termos em conta e sabermos explorar as contradições existentes entre o capital produtivo brasileiro – na indústria, nos serviços e na agricultura, interessado na ampliação do mercado interno e no desenvolvimento da economia nacional – e o grande capital especulativo e usurário – estreitamente vinculado ao capital internacional, fictício e produtor de juros –, que extrai a sua “mais-valia” mediante juros extorsivos e através dos mecanismos da dívida pública. Os primeiros não desejam o retorno ao projeto neoliberal – agora em uma versão ainda mais exacerbada –, situação que abre a possibilidade de pontos de convergência com o campo popular. Essas contradições também se expressam nos diferentes partidos, principalmente de centro, do que o PMDB é a expressão mais evidente.

Daí a miopia de considerar que “Cunha, Temer, Padilha, Renan Calheiros, são tudo farinha do mesmo saco”, confundindo inimigos jurados – como Eduardo Cunha, o PSDB, o DEM – com setores vacilantes do PMDB e das próprias classes dominantes, negando a possibilidade de qualquer aliança ou compromisso com eles. O que condenaria, de antemão o campo democrático e popular a uma derrota diante da raivosa ofensiva da direita neoliberal. Pois “só se pode vencer um inimigo mais poderoso tensionando todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior zelo, minuciosidade, prudência e habilidade toda fratura entre os inimigos, toda contradição de interesses entre a burguesia dos distintos países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia no interior da cada país; é preciso aproveitar também as menores possibilidades de obter um aliado de massas, ainda que seja temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional.” (8)

Para enfrentar o golpe em andamento e retomar as mudanças progressistas no Brasil, não se pode pretender voltar para traz, pois o ciclo iniciado em 2003 cumpriu o seu papel e esgotou-se. É preciso olhar para frente! Impõe-se a construção um novo consenso, capaz de unificar o conjunto das forças anti-neoliberais, apontar para a retomada do desenvolvimento do país, fortalecer a soberania nacional, aprofundar a democracia e garantir os direitos dos trabalhadores e do povo. O que nunca será alcançado com posturas “esquerdistas”, sectárias e pueris que repudiam qualquer “compromisso” no processo da luta de classes.

 

NOTAS

(1) LENIN, V.I. El infantilismo “izquierdista”y el espíritu pequeñoburgues (1918). In: LENIN, V. I. Obras Escogidas, Vol. 2. Moscou: Editorial Progresso, 1960, p. 745.

(2) LENIN, V.I. La enfermedad infantil del “izquierdismo” en el comunismo (1920). In: LENIN, V. I. Obras Escogidas, Vol. 3. Moscou: Editorial Progresso, 1961, p. 420.

(3) LENIN, V.I. Acerca de la frase revolucionaria (1918). Moscou: Editorial Progresso, 1976, p. 18.

(4) LENIN, V.I. La enfermedad infantil…, Idem, p. 411.

(5) LENIN, V.I., Idem, p. 412.

(6) LENIN, V.I., Idem, pp. 385-386.

(7) LENIN, V.I., Idem, pp. 414-418.

(8) LENIN, V.I., Idem, pp. 414-415.