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   Porto Alegre, quarta-feira, 8 de maio de 2024

   

O idioma é o repositório da cultura e
da identidade de um povo

Resposta de Raul Carrion aos que desprezam a língua pátria e cultuam os “estrangeirismos” desnecessários

Raul K. M. Carrion

O Projeto de Lei 156/09 – que determinou a tradução das palavras estrangeiras utilizadas em publicidade, propaganda, documentos e informativos, dirigidos ao grande público –, foi aprovado pela Assembleia Legislativa em 19 de abril de 2011 e sancionado pelo governador Tarso Genro, com alguns vetos, em 18 de maio de 2011.

Em um primeiro momento, setores da mídia tentaram desqualificar o projeto, o seu autor e o debate em torno dele, em uma atitude de claro patrulhamento ideológico. Em uma atitude raivosa, desrespeitosa e sem qualquer compromisso com a verdade, deturparam o seu conteúdo, desinformando a cidadania acerca do seu real significado.

Diferentemente, o Governador Tarso Genro repôs a seriedade do debate, criou uma Comissão de Alto Nível para estudar o referido projeto e dedicou a segunda edição de “O Governo Escuta” ao seu exame. Em manifestação à imprensa, afirmou que “se trata de uma questão ‘séria’, que não deve ser alçada ao ‘nível de desclassificação’. (...) somente as pessoas ‘muito caipiras’ podem se opor às tentativas de defesa da língua pátria (...) é natural que os ‘países civilizados’ proponham movimentos de proteção à sua língua, como já ocorreu na França.” (CORREIO DO POVO, 21.04.11)

Em entrevista à Cláudio Leal, da TERRA MAGAZINE, o nosso grande escritor Luís Fernando Veríssimo afirmou: “admiro o deputado Raul Carrion e compartilho da sua preocupação com a invasão de estrangeirismos na nossa língua, essa evidência especialmente ridícula de colonialismo cultural.” Ainda que um tanto cético em relação à eficácia da lei, arrematou: “A única maneira de defender a língua portuguesa dos estrangeirismos é confiar que as pessoas eventualmente se deem conta do ridículo.

Em sua crônica na ZERO HORA, intitulada “Quem escolhe o nome das coisas é quem tem o poder para isso, não necessariamente o direito”, Veríssimo, com a agudeza que o caracteriza, mostrou as relações de poder na imposição de palavras estrangeiras aos outros idiomas:

Dar nomes às coisas é possuí-las. A colonização começa pela linguagem. Os estrangeirismos na nossa língua mostram quem tinha poder sobre nossas vidas, combatê-los é uma maneira de dizer que o domínio acabou, ou deve acabar. Tem gente demais que confunde colonizado não com submisso, mas com moderno. E dê-lhe “sale” em vez de liquidação e “delivery” em vez de entrega. A única coisa a fazer é esperar que, em algum momento, deem-se conta do ridículo.

Também é esclarecedora a crônica “Histeria coletiva”, da jornalista Beatriz Fagundes (O SUL, 21.04.11), da qual selecionamos alguns trechos:

O que surpreendeu foi mesmo a reação quase histérica dos contrários ao projeto. A simples menção de que o uso de palavras em outros idiomas deve ser contido ou pelo menos organizado, causou um verdadeiro furor nos colonizados de plantão. Incrível! A simples leitura do texto deixa claro que não estão proibidas as expressões – a exigência é que se garanta a tradução. (...) Pois então não existe motivo para histeria coletiva: palavras estrangeiras devidamente traduzidas serão assimiladas com facilidade pelo povo que, com a tradução garantida, não ficará repetindo expressões desconhecidas apenas para parecer fashion! (...) O deputado quer apenas que, quando o uso for público, se traduza para o velho português. O mais é histeria de cabeça colonizada!

Dom Dadeus Grings, Arcebispo de Porto Alegre, também manifestou a sua opinião (O SUL, 03.07.11):

O deputado Carrion apresentou, no parlamento gaúcho, um projeto em prol da pureza da língua pátria. [...] vemos nossa língua vilipendiada com estrangeirismos cada vez mais numerosos e agressivos, como a demonstrar uma pobreza endêmica de nossa língua pátria. Somos invadidos e violentados. Nossa língua é declarada incapaz de expressar a cultura dos modernos meios de comunicação. [...] Hipotecando solidariedade à iniciativa do deputado Carrion, de depurar nossa língua dos estrangeirismos.

Concluo essa breve introdução relatando um fato hilário, que comprova o desconhecimento da riqueza da nossa língua por parte dos defensores do uso indiscriminado de estrangeirismos. Por ocasião da segunda edição de “O Governo Escuta” – promovido pelo governador Tarso Genro para avaliar o referido projeto –, uma “renomada” linguista convidada perguntou, em tom de vitória, como pretender substituir a palavra “tsunani”, ao que lhe respondi que na escola primária havia aprendido que em língua portuguesa se diz “maremoto”. Ao que a “brilhante” linguista, desconhecedora de sua língua materna, nada pode objetar...

I – O CONTEÚDO DO PROJETO

Tendo em vista o relativo grau de desinformação acerca do referido projeto, a minha primeira colocação tem o objetivo de esclarecê-lo:

  1. O Projeto não proíbe nem impede o uso de palavras estrangeiras, unicamente determina que, nesse caso, a palavra estrangeira deve ser traduzida, para que o cidadão tenha, em seu país, o direito de receber as informações em sua língua pátria. Se a palavra ou expressão estrangeira não possuir equivalente em português, deverá ter o seu significado explicado.
  2. A exigência de tradução só se aplica a propaganda, publicidade, documentos ou informativos dirigidos ao grande público, através da palavra escrita;

3.     O Projeto, não se aplica à linguagem falada;

  1. O Projeto não se aplica a nomes próprios;
  2. O Projeto não se aplica a obras científicas, a obras de arte ou literárias, a comunicação privada;
  3. As palavras de origem estrangeiras já aportuguesadas ou dicionarizadas estão excluídas da necessidade de serem traduzidas.
  4. O Projeto tem caráter essencialmente educativo e não cria penalidades. Estas poderão ser impostas pelo Executivo, mas somente no âmbito administrativo (por exemplo, obrigatoriedade de substituir a propaganda ou publicidade em desacordo com a lei; perda de eventuais benefícios do Poder Público no caso de desobediência a essa determinação; etc.).

 

II – OS OBJETIVOS DO PROJETO

O Projeto de Lei 156/09 tem três objetivos principais:

1) valorizar o uso do português na linguagem escrita, evitando a sua descaracterização pela utilização indiscriminada, abusiva e desnecessária de vocábulos estrangeiros;

2) garantir ao cidadão brasileiro que todo documento público, propaganda, publicidade ou informação sejam escritas em sua língua pátria, de forma a facilitar-lhe a compreensão;

3) educar a população no correto uso da língua portuguesa.

1.   VALORIZAR O IDIOMA PORTUGUÊS E EVITAR SUA DESCARACTERIZAÇÃO

Esse objetivo decorre do singelo fato – esquecido por tantos – de que o português é o idioma oficial do Brasil, de acordo com o artigo 13 da Constituição Federal, e um dos maiores patrimônios culturais do povo brasileiro. Sua obrigatoriedade é tão óbvia que a legislação eleitoral considera crime eleitoral o uso de outro idioma que não o português nas campanhas.

Penso ser desnecessário alongar-me sobre a importância da valorização do nosso idioma. A própria palavra “idioma” – originária do grego – significa “caráter próprio de alguém”. Portanto, a língua caracteriza e identifica um povo, sendo um dos principais elementos integradores de uma nação. É impossível imaginar a manutenção da unidade de um país gigantesco como o Brasil sem a existência de um idioma comum a todos os brasileiros que, com pequenas variações regionais, é compreensível para todos, de norte a sul.

Diferentemente da ideia que alguns querem passar, de que os linguistas são favoráveis a esse uso indiscriminado e abusivo de estrangeirismos, inúmeros linguistas – no Brasil e no exterior – têm mostrado o quanto isso é prejudicial ao desenvolvimento virtuoso das línguas e têm proposto medidas contra esse empobrecimento e desvirtuamento da nossa língua.

A Professora e Linguista Vera Lúcia Menezes, em sua tese de doutorado na UFMG “A Língua Inglesa enquanto Signo da Cultura Brasileira”, já em 1991 afirmava: “A língua estrangeira se torna muito mais um instrumento de dominação do que de comunicação, no momento em que a maioria da população não tem acesso a essa língua, nem como produtora, nem como receptora.

E a Professora Éda Heloísa Teixeira Pilla da UFRGS – Mestra em Linguística Aplicada pela PUC/RS e Doutora em Semiótica e Linguística Geral pela USP – em seu artigo “Diversidade Linguística no Mundo Globalizado”, publicado em 2008, no Jornal da Universidade, complementa:

A língua é o repositório da cultura e da identidade individual e coletiva de uma comunidade. [...] Ao aprender a língua de sua comunidade, portanto, o falante, já estará absorvendo a cultura subjacente a ela, e com ela uma visão-de-mundo complexa que reflete o modo como essa comunidade lida com seus problemas, formula seu pensamento e sua filosofia, e organiza sua vida social. [...] Muitas (e cada vez mais) palavras do inglês estão sendo, indiscriminadamente, incorporadas ao português. Em alguns casos, a desculpa é a de que elas nomeiam conceitos novos para os quais ainda não possuímos equivalentes, no entanto isso também acontece em inúmeros casos onde elas poderiam ser facilmente traduzidas, e não o são. (…) além de não facilitar a comunicação, elas excluem a maioria dos usuários de língua portuguesa desse processo. Quantos brasileiros entendem inglês? E porque deveriam ser obrigados a usar outra língua em sua terra natal (...). Do ponto de vista social, além de não facilitar a comunicação elas excluem a maioria dos usuários de língua portuguesa desse processo. Quantos brasileiros entendem inglês? E porque deveriam ser obrigados a usar outra língua em sua terra natal? Quanto à fonética, as palavras em inglês não se adaptam ao nosso sistema fonológico e não podem ser pronunciadas de acordo com as nossas normas fonéticas. Criamos palavras anômalas: com a grafia do inglês e a pronúncia do português (...). Elas também empobrecem a nossa língua, por não permitir que o nosso léxico se expanda explorando seus próprios recursos. Por fim, elas comprometem a identidade da língua, e isso em nada contribui para a preservação da diversidade linguística.

Em sua comunicação “Criação de palavras como forma de resistência política”, apresentada no 10º Simpósio Simpósio Ibero-americano de Terminologia, em Montevideo, no ano de 2006, a Prof. Dra. Éda Heloísa Teixeira Pilla ensina:

A palavra estrangeira, ao preencher um nicho referencial e linguístico que, por natureza, não lhe pertence, estará tomando o lugar de uma palavra nacional (já existente ou que venha a ser criada) e, portanto, virtualmente harmônica com o seu contexto cultural e linguístico, o que significa dizer que ela, a palavra estrangeira, concorre para o empobrecimento e enfraquecimento da língua nacional receptora que, por sua vez, perde a capacidade de expandir-se uma vez que seus recursos linguísticos não são explorados. (...) De outra parte, a incorporação de uma palavra estranha às normas morfossemânticas (e também fonológicas) da língua receptora, perturba/quebra a coerência linguística do sistema onde se instala.

Como historiador, não posso deixar de referir que um dos principais mecanismos de dominação de um povo sobre outro é a imposição da língua, caminho para transmitir seus valores, tradições e costumes. Assim ocorreu no antigo Oriente, no mundo grego, no império romano, nas conquistas portuguesas e espanholas, na colonização inglesa, e assim por diante. Mais recentemente, quando a Indonésia impôs sua dominação ao Timor Leste, uma de suas primeiras medidas foi a proibição do uso do português aos timorenses. Reconquistada a independência, uma das primeiras medidas foi recolocar o português como língua oficial do Timor Leste.

Aos que ingenuamente afirmam que os idiomas não precisam de cuidados frente às línguas dominantes, que faz parte da sua evolução a absorção das palavras dessas línguas mais poderosas, sem qualquer risco de descaracterização, cito o crítico literário da Revista VEJA, Jerônimo Teixeira, insuspeito de qualquer radicalismo:

Em um momento em que os idiomas nacionais sofrem todo tipo de pressão desestabilizadora (...) a globalização e a revolução tecnológica da internet estão dando origem a um ‘novo mundo linguístico’. Entre os fenômenos desse novo mundo estão as subversões da ortografia, presentes nos blogs e na troca de e-mails e o aumento no ritmo de extinção de idiomas. Estima-se que um deles desapareça a cada duas semanas. Cresce a consciência de que as línguas bem faladas, protegidas por normas cultas, são ferramentas da cultura e também armas da política, além de ser riquezas econômicas. (...) Calcula-se que hoje se falem de 6.000 a 7.000 línguas no mundo todo. Quase metade delas deve desaparecer nos próximos 100 anos. A última edição do Ethnologue – o mais abrangente estudo sobre as línguas mundiais –, de 2005, listava 516 línguas em risco de extinção. (VEJA, 12.09.07)

E o Professor de Linguística da Universidade do País de Gales, David Cristal, ao ser perguntado “porque tantas línguas estão desaparecendo?”, respondeu: “O principal motivo é a assimilação cultural por causa da globalização. O crescimento das grandes línguas do mundo funciona como um trator, esmagando os idiomas que se põem no caminho.

Em recente artigo à ZERO HORA, o conhecido escritor gaúcho Franklin Cunha cita o Professor René Étiemble, da Universidade da Sorbonne, que diante da descaracterização do francês pela invasão de vocábulos ingleses, afirmou que “não são apenas palavras de empréstimo que se insinuam no francês mas, na verdade, trata-se de uma doença metástica que corrói a pronúncia, o léxico, a morfologia, a sintaxe e o estilo.” Nesse mesmo artigo, Franklin Cunha chama a atenção de que:

A admissão indiscriminada de catadupas de palavras com grafia, pronúncia, forma e flexão diversas da língua original pode seriamente prejudicá-la, embotando a criatividade linguística e obstruindo as fontes genuínas de enriquecimento e renovação. (...) a luta pela manutenção de variados idiomas e culturas talvez seja decisiva para a resistência dos povos à uniformização totalitária, não apenas linguística, mas de estilos de vida, de condutas éticas, estéticas e, certamente, das liberdades de expressão e de pensamento.

Todos sabemos que o português, como qualquer idioma, evoluiu incorporando vocábulos das mais variadas línguas, principalmente quando essas palavras não têm equivalente em português. Mas, quando o fez, adaptou sua grafia, sua fonética, sua flexão, sua sintaxe, assimilando-as e aportuguesando-as. Assim, football virou “futebol”; black-out transformou-se em “blecaute” (apesar de já existir a palavra “apagão”); computer passou a ser “computador”, só para citar alguns exemplos. Diferentemente da invasão indiscriminada e desnecessária de palavras e expressões estrangeiras que possuem equivalente em português. E, o que é pior, sem qualquer adaptação à nossa fonética, grafia ou flexão. Tal uso abusivo de “estrangeirismos” – muito mais por modismo e subserviência cultural do que por necessidade – em nada contribui para o enriquecimento da nossa língua, descaracterizando-a e dificultando o seu entendimento pela maioria da população.

Pode-se perguntar: em que se enriquece a nossa língua ao substituir “pausa para o café” por coffee-break; “auto-serviço” por self-service; “entrega” por delivery; “moda” por fashion; “franquia” por franchise; “tempo” por time; “risco” por spread; “liquidação” por sale; “desconto” por off; e assim por diante? A resposta é: EM NADA! Será que chamar a premiação das marcas “Mais Lembradas” de Top of Mind, ou a disputa do “Melhor Salto” de Best Jump enriquece a nossa língua? Ao contrário, desvaloriza e deturpa a nossa língua e dificulta o entendimento para a maioria da população.

Como disse nosso brilhante cronista Juremir Machado da Silva, na segunda edição de “O Governo Escuta”, em uma crítica mordaz à subserviência cultural dos que se ufanam de usar palavras estrangeiras ao invés do nosso belo português: “são pessoas que passam dois meses no exterior e voltam com “dificuldade” de falar português...” E acrescentou: “Se ‘mouse’ é ‘rato’ em todos os países de fala inglesa, é ‘rato’ (‘souris’) onde se fala francês, é ‘rato (‘raton’) nas nações de idioma espanhol, é ‘rato’ em Portugal, porque não pode ser ‘rato’ no Brasil?

Mas, se o português pode, eventualmente, enriquecer-se com algum vocábulo estrangeiro que não exista na nossa língua, assimilando-o, o caminho fundamental para o seu desenvolvimento é a criação de novas palavras através dos neologismos. Como ensina a Prof. e Linguista Éda Heloísa Pilla no seu livro “Os Neologismos do Português e a Face Social da Língua” ( AGE Editora, 2002):

O neologismo formal representa quase a totalidade da criação lexical pesquisada, presente em palavras como somatizar, sucatear, rotinizar, mimetizar, achismo, salvacionismo, aberturismo, reindexação, desinvestimento, praticidade, perfomático, terceirização, multirrelacional, antidroga, apart-hotel, infovia, agrovila, desimportância, eurozona, ineditizar, degravação, espontaneísta, urgenciar, burocratismo, intransparência, evidenciação, etc., indica mudanças toleradas pelo léxico (e até mesmo necessárias) e que atualizam este último. Os empréstimos estrangeiros são alheios a essa organização. As primeiras se criam em relação e de acordo com o sistema; os últimos não envolvem criatividade morfológica ou gramatical, mas apenas a transferência de um elemento totalmente formado, de um outro código para o nosso.

2.     GARANTIR O DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO EM PORTUGUÊS

Além de ser necessário valorizar o idioma português e evitar sua descaracterização e conspurcação – pois a questão em tela não é o “desaparecimento” do português, como alguns, comicamente, tentam reduzir de forma caricata – também é preciso respeitar os Direitos do Consumidor e da maioria da população, que não fala nem entende o inglês. Pois bem, o Código do Consumidor em seu artigo 31 determina de forma explícita:

A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Ou seja, o cidadão brasileiro tem o direito de receber todas as informações acerca de produtos ou serviços que lhe sejam oferecidos, na língua pátria. Em função disso, em 2007 o Desembargador Federal Mairan Maria, da 1ª Vara Federal de Guarulhos, em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, proferiu decisão liminar determinando à União – sob pena de multa diária de R$ 5 mil – que fiscalizasse o emprego da língua portuguesa (exclusivamente ou mediante tradução) na oferta e apresentação de produtos ou serviços por fornecedores, inclusive na oferta publicitária em vitrinas, prateleiras, balcões ou anúncios, inclusive preço, condições de pagamento, descontos, origem e riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Da mesma forma, o Ministério Público do Estado do Acre convocou a Associação Comercial e a Federação Comercial do Acre, determinando-lhe a fiscalização do uso das expressões estrangeiras na oferta e apresentação dos produtos e serviços oferecidos.

A importância da correta informação, em português acerca das características de um produto ou serviço poder ser aquilatada por um simples exemplo: suponhamos um cidadão que não pode consumir açúcar, por ser diabético, e que deseje beber um refrigerante. Deverá pedir um refrigerante “diet” ou “light”? Disso pode depender sua vida ou sua morte. No caso em pauta a resposta correta é um refrigerante “diet” (dietético ou sem açúcar). É fundamental que isso seja informado em português cristalino!

Tratando da relação entre o uso de estrangeirismos e os direitos do consumidor, o Juiz de Direito José Ricardo Coutinho Silva em seu artigo “Os Estrangeirismos” (CORREIO DO POVO, 07.05.11) afirmou:

nessa avalanche que vivemos pela globalização e pelo uso de palavras em inglês, cotidianamente, por um número cada vez maior de pessoas no Brasil, tem havido um exagero nesse uso, que atinge pessoas não versadas em inglês, que não desejam se comunicar através dele e que nem sabem o significado das palavras empregadas. (...) Evidente que boa parte das pessoas que vão a shopping centers sabem inglês ou o suficiente para identificar que “50% off” quer dizer 50% de desconto. Mas será que todos sabem? Claro que não. (...) Portanto, deixando de lado ideologias, é fundamental não ser esquecido, mesmo que os produtos sejam importados e mesmo que muitas pessoas falem ou utilizem expressões em língua estrangeira, que estamos no Brasil, que o idioma oficial é o português e que os produtos e os serviços têm de ser oferecidos com informações e instruções claras, também em português, permitindo sua compreensão pela integralidade da população.

3.     EDUCAR OS CIDADÃOS NO CORRETO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Não é segredo para ninguém que o ensino formal do português é desconstituído cotidianamente pelo bombardeio avassalador de uma escrita corrompida pelo uso indiscriminado de palavras estrangeiras, impostas pela propaganda, pela publicidade e por certos meios de comunicação de massas.

A exigência da tradução das palavras estrangeiras (não a proibição do seu uso) tornará esses textos mais compreensíveis ao conjunto dos cidadãos e reforçará a correta escrita da língua. Ao mesmo tempo, forçará àqueles que abusam dos estrangeirismos a consultar os dicionários e a melhor conhecer a sua própria língua. Dessa forma, ganharão todos. Tanto os que usam desnecessariamente palavras estrangeiras – que talvez o façam por desconhecer os amplos recursos de que dispõe a língua portuguesa –, quanto os que tinham dificuldade de entender o português conspurcado pelo inglês.

 

III – O IDIOMA É ASSUNTO DE ESTADO SIM

É preciso, também, examinar a opinião daqueles que afirmam que a questão da língua é um assunto privado, no qual o Estado não deve interferir e sobre o qual não cabe legislar. Alguns – principalmente publicistas e marqueteiros – defendem que a evolução da língua e a incorporação a ela, ou não, de palavras estrangeiras será decidida pela sua aceitação ou não pelo “mercado”. Outros afirmam que a evolução do idioma se dá de forma totalmente espontânea, “pelo voo das palavras”, sem qualquer regramento. O que, de partida, já se choca com o fato de que todos os países definem regras para suas línguas!...

Além disso, ignoram, ingenuamente, a enorme influência, nos dias de hoje, dos meios de comunicação de massas e da indústria cultural (cinema, televisão, vídeo, música, etc.) – amplamente dominada pelas grandes produtoras e distribuidoras estrangeiras – em impor sua visão de mundo, cultura, costumes e língua.

Como afirma a reportagem “Linguagem - cultura e transformação”, da revista eletrônica “Com Ciência”, da SBPC:

Diferentes nações escolhem diferentes soluções para o problema da penetração do idioma estrangeiro, dependendo, entre outras coisas, da realidade social do país. Mas, em todas elas, a linguagem é tratada como questão de Estado. As nações procuram normatizar e regular os idiomas que utilizam, visando o processo de identidade nacional. (...) Há, na França, várias organizações dedicadas à língua francesa – incluindo a sua defesa contra os ‘estrangeirismos’ – como a Délégation générale à la langue française. A legislação sobre o idioma francês é bastante detalhada. A defesa da língua baseia-se na lei Toubon, de 1994. Essa lei estende o campo de aplicação da lei anterior, de 1975. Segundo a lei atual, o emprego do francês é obrigatório na designação, apresentação e publicidade de bens, produtos e serviços, com exceções para as denominações de produtos típicos de países estrangeiros que sejam vastamente conhecidos. A lei permite traduções em línguas estrangeiras desses textos, desde que com a presença da versão em francês. Essas regras não se aplicam a razões sociais, marcas de fábrica, de comércio e de serviços. Tudo isso vale também para o caso da difusão por televisão ou rádio. A lei Toubon afirma o caráter obrigatório do ensino em francês e de seu emprego em exames, concurso, teses e memórias, em estabelecimentos públicos e privados.

A Lei Toubon – proposta e promulgada pelo governo socialista de Miterrand – determina:

Artigo 1º - Língua da República, em virtude da Constituição, a língua francesa é um elemento fundamental da personalidade e do patrimônio da França. Ela é a língua do ensino, do trabalho, do comércio e dos serviços públicos. Ela é o vínculo privilegiado entre os Estados que constituem a comunidade francófona.

Artigo 2 – Na designação, oferta, apresentação, modo de uso ou utilização, descrição quanto à duração e condições de garantia de um bem, um produto ou um serviço, assim como nas notas e recibos, o emprego da língua francesa é obrigatório. As mesmas disposições se aplicam a toda publicidade escrita, falada ou audiovisual. As disposições do presente artigo não são aplicáveis aos nomes dos produtos típicos e especialidades de denominação estrangeira de conhecimento geral [...].

Artigo 3 – Toda inscrição ou anúncio colocado ou feito em uma via pública, em um lugar aberto ao público ou em um meio de transporte comum e destinado à informação pública deve ser formulada em língua francesa.

Temos conhecimento de que já adotaram normas para proteger a sua língua da invasão de palavras estrangeiras, além da França, a Espanha – incluída a Catalunha –, o Canadá e a Islândia. E a União Europeia aprovou a “Carta Europeia para Línguas Regionais ou Minoritárias”, como uma forma de protegê-las do avassalamento pelas línguas mais fortes. O que deita por terra a tese ingênua de que as línguas não precisam de proteção nem de regramentos que as impeçam de ser degradadas por outras línguas mais poderosas.

E é bom lembrar que, tanto na França como nos Estados Unidos, entre as exigências legais para que estrangeiros se naturalizem está a fluência verbal e escrita no idioma pátrio.

No Brasil, já foram aprovadas leis similares no Paraná – Lei Estadual 272/09, proposta pelo ex-Governador Roberto Requião, mas questionada na Justiça – e na cidade do Rio de Janeiro – Lei 5.033/09, proposta pelo vereador Roberto Monteiro. No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 1.676/99, proposto de pelo deputado Aldo Rebelo, já foi aprovado de forma terminativa na Câmara dos Deputados e no Senado já está com sua tramitação concluída, estando pronto para ser votado.

Por tudo isso, reafirmamos o nosso entendimento de que cabe sim, ao Estado, dispor de uma legislação que, sem engessar a língua, a proteja de descaracterização e degradação. Como afirma a Prof. Dra Éda Heloísa Teixeira Pilla: “Para o fortalecimento e preservação do português seria importante, quase indispensável, a criação de políticas públicas que incentivem representações positivas sobre a nossa língua”.

É o que procuramos fazer através desse projeto de lei.