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   Porto Alegre, quinta-feira, 28 de março de 2024

   
AS GREVES DE 1917 EM SÃO PAULO,
RIO DE JANEIRO E RIO GRANDE DO SUL

Raul K. M. Carrion

Greve Geral de 1917 - História do Brasil - InfoEscola

A greve geral de junho/julho de 1917, em São Paulo – ponto de partida de um grande surto grevista que se estenderá ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e alguns outros estados, abalando a República Velha – é, sem dúvida, uma expressão do espírito revolucionário e do amadurecimento da classe operária brasileira, que ingressava em sua etapa fabril. A radicalidade e a extensão do movimento – que chegou a controlar São Paulo por diversos dias, obrigando o governo a abandonar a cidade – ao mesmo tempo que mostrou a combatividade de suas lideranças anarquistas, tornou patentes os limites das concepções anarquistas hegemônicas, incapazes de apresentar uma alternativa política ao domínio burguês-oligárquico. Por isso mesmo, as greves de 1917 – da mesma forma que a insurreição anarquista de 1918 e as greves de 1919 – jogaram um importante papel no amadurecimento das lideranças operárias que viriam a formar em 1922, sob a influência da revolução russa, o Partido Comunista do Brasil.

Nesse trabalho, além de abordarmos a greve de 1917 em São Paulo e no Rio de Janeiro, examinaremos mais detalhadamente o movimento grevista no Rio Grande do Sul, menos estudado e menos conhecido.

CAUSAS IMEDIATAS DO ASCENSO GREVISTA DE 1917

Para entendermos o grande ascenso grevista de 1917 é preciso, alem das suas causas de fundo, analisar a conjuntura em que a mesma ocorreu: “O grande movimento grevista que se alastra pelo país em meados de 1917 tem a sua causa conjuntural mais evidente no modo de inserção do Brasil na Primeira Grande Guerra (...) o país transformara-se em um grande fornecedor de gêneros alimentícios às populações civis e às tropas combatentes das nações da ‘Entente’(...).”[i]Entre 1914 e 1917 as exportações brasileiras de gêneros alimentícios aumentaram, em média, 11 vezes. No caso da carne resfriada e do charque, esses aumentos foram de 47 e de 30 vezes, respectivamente. Já a exportação do arroz aumentou 14 mil vezes e a do feijão 21 mil vezes! As conseqüências disso foram o desabastecimento e a disparada nos preços. Referindo-se a isso, Dulles afirma: “Os preços dos gêneros alimentícios continuaram a subir durante os seis primeiros meses de 1917. Artigos de primeira necessidade tendiam a custar de 20 a 150 por cento mais caro do que no ano precedente (...) O aumento do custo de vida foi o tema dos discursos do Primeiro de Maio de 1917.”[ii] A essa situação econômica insustentável, é preciso acrescentar um razoável nível de consciência e organização por parte dos trabalhadores, sob influência anarco-sindicalista, e o impacto das primeiras notícias da Revolução da Rússia de fevereiro.

Assim, o ano de 1917 entrou prenhe de grandes mobilizações operárias. Em 18 de abril, a Federação Operária do Rio de Janeiro realizou uma grande assembléia em sua sede, ocasião em que foi decidido o envio de uma mensagem ao Presidente da República protestando contra a eventual entrada do Brasil na guerra e sugerindo medidas contra a crise que sacrificava os trabalhadores. No dia 1º de maio, um grande massa de trabalhadores desfilou pelas ruas da capital protestando contra a carestia e pedindo paz. Ainda durante o mês de maio, irromperam diversas greves em fábricas têxteis do Rio de Janeiro, acompanhadas de comícios, passeatas e choques com a polícia. E, em junho de 1917, eclodiu em São Paulo - já então o principal centro industrial do Brasil - a primeira grande greve geral do país, que logo se estenderia para o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e outros estados.

A GREVE DE 1917 EM SÃO PAULO

No dia 12 de junho, iniciou a greve dos 2.000 trabalhadores do cotonifício Rodolpho Crespi, no bairro industrial da Mooca, na capital paulista, reivindicando um aumento de 20%. No dia 15, os grevistas realizam uma passeata pedindo a solidariedade de seus irmãos de classe e sofrem a repressão policial. Rapidamente, o movimento grevista começa a ganhar a adesão dos operários de diversas fábricas, ao mesmo tempo que se generaliza o descontentamento entre o conjunto dos trabalhadores. No dia 28 de junho, a “União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo” faz um apelo às “Ligas Operárias” do interior do Estado, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais para que declarem o boicote, impedindo que Crespi consiga atender às suas encomendas através de fábricas fora de São Paulo. Neste mesmo dia, outra grande manifestação operária é reprimida pela polícia montada quando se dirigia para a Praça da Sé. No dia 6 de julho , a primeira vitória: a firma Nami Jafet concede a seus 1.000 operários um aumento de 20% para o dia e de 25% para a noite. O movimento se estende como rastilho de pólvora e já são milhares de grevistas manifestando-se nas ruas.[iii] No dia 7, a greve atinge a Cia. Antárctica, na Mooca. No dia 9 de julho, à porta da tecelagem Mariângela do grupo Matarazzo, a polícia dispara contra os trabalhadores e fere gravemente o sapateiro anarquista Antonio Martínez. Em seguida são fechadas as sedes de todas as “Ligas” e “Uniões” da cidade. A greve atinge quase todas as categorias industriais e de serviços e cresce a indignação proletária e os choques com as forças de repressão.

No dia 10 de julho, morre o operário Martínez e o “Comitê de Defesa Proletária” – formado pelos anarquistas Edgard Leuenroth, Florentino de Carvalho, Rodolfo Felipe, Francisco Cianci, Antônio Duarte e Gigi Damiani, e pelo socialdemocrata Teodoro Monicelli – convida a população de São Paulo a acompanhar o enterro. Um “mar de gente” acompanha o cortejo fúnebre, desafiando o enorme aparato policial-militar colocado nas ruas pelo governo. Findo o enterro, uma parte da massa dirigiu-se para a Praça da Sé para ouvir os discursos de protesto; outra parte da multidão, calculada em milhares de pessoas, dirige-se para os bairros do Brás, Mooca, e Cambuci e força o fechamento das empresas que continuam trabalhando. Os dias 12 e 13 de julho foram de confronto aberto. e muitas vezes armado, entre os trabalhadores e as forças da repressão, com o surgimento de barricadas em diversos bairros operários. Estima-se que em torno de 75 mil o número de trabalhadores em greve. Manifestações de solidariedade chegam de todas as partes. As informações acerca de atos de indisciplina no seio das tropas preocupa as autoridades e os patrões:

Os 1º e 4º Batalhões da Força Pública tornaram-se suspeitos, pois deram-se diversos casos de “insubordinação”, isto é, recusa de praticar violências contra os grevistas (...) há deserções na Força Pública e outros soldados alegam doença para não intervir na repressão contra o povo trabalhador.[iv]

No dia 13 de julho, Crespi e os demais industriais aceitam um aumento de 20% para o conjunto dos trabalhadores. Uma comissão de jornalistas se propôs a mediar o confronto. Depois de algumas negociações, os patrões - além dos 20% de aumento - se comprometeram a não despedir ninguém pela greve, respeitar o direito de associação, pagar os salários a cada 15 dias e melhorar as condições materiais e econômicas dos trabalhadores. Já o Governo, concordou em libertar os operários presos por motivo da greve, reconheceu o direito de reunião e comprometeu-se com uma fiscalização rígida das normas trabalhista e com o controle dos preços. No dia 16 de julho, os trabalhadores aceitaram o acordo. Dia 18, “ao comício do Largo da Concórdia aflui uma massa superior a oitenta mil almas. Um verdadeiro oceano humano a espraiar-se pelo Largo até a rua Bresser. Nunca se viu, na cidade, uma concentração tão numerosa, tão comovente e tão conscientemente disciplinada.” O comício é encerrado ao som da Internacional.[v]

A GREVE SE ESTENDE PARA O RIO DE JANEIRO

No dia 19 de julho, o movimento grevista se alastra para o Rio de Janeiro. Iniciado em duas pequenas fábricas de móveis, em solidariedade aos grevistas de São Paulo, estende-se rapidamente, sendo assumida pela Federação Operária do Rio de Janeiro. Dele participam metalúrgicos, trabalhadores da indústria do couro, operários da construção civil e da indústria do tabaco, tecelões, etc. As reivindicações básicas são a redução da jornada de trabalho, aumentos salariais e melhores condições de trabalho. A paralisação se estende para algumas cidades próximas. O movimento radicaliza-se e multiplicam-se as manifestações de rua, os comícios, os assaltos a estabelecimentos industriais, os choques com a polícia:

“Na manhã de segunda-feira 23 de julho, calculava-se que 50 mil operários estavam em greve. No mesmo dia, cerca de 20 mil operários metalúrgicos deixaram o serviço À noite, os alfaiates e os entregadores de pão decidiram aderir ao movimento. No dia 24, os sapateiros fundaram a União dos cortadores de calçado e exigiram a jornada de 8 horas, bem como aumento salarial de 20. Os grevistas da Companhia de Tecido América Fabril exigiram aumento de 30% e escolas para as crianças. Os operários de outra companhia têxtil, a Fábrica de Tecidos Aliança pediram aumento de 30% e o término dos castigos corporais. Bandos de operários percorreram as ruas da cidade. A 24 de julho, enquanto um grupo deles solicitava a adesão de companheiros ao movimento paredista, a polícia investiu contra o mesmo a golpe de espada e patas de cavalo. A multidão, revoltada com este “ataque” policial, marchou em direção ao largo de São Francisco, carregando uma bandeira vermelha e berrando “abaixo o capital”. (...) Enquanto isso, outros grupos executavam os primeiros assaltos e depredações. (...) Em 25 de julho, uma força policial dispersou enorme aglomeração nas vizinhanças da Central de Polícia (...) os policiais foram recebidos a pedra, saindo ferido na cabeça o tenente que comandava o destacamento (...) Nos últimos dias de julho, diversos acordos foram efetuados. Os representantes dos operários das fábricas de tecidos, maior dos grupos trabalhistas do Rio, ainda se encontravam em negociações no dia primeiro de agosto. Quando, no dia seguinte, entraram em acordo com o Centro Industrial do Brasil, a “greve geral” carioca chegou ao ponto final. O acordo estabelecia a semana máxima de 56 horas e um aumento de 10 por cento dos vencimentos. Os problemas referentes ao dia de oito horas, trabalho de menores e responsabilidade dos patrões nos acidentes de trabalho seriam resolvidos por leis no Congresso Nacional. E nenhum operário seria dispensado por tomar parte na greve.[vi]

            A greve chega ao fim na cidade do Rio de Janeiro mas, no dia 3 de agosto, começa em Petrópolis. Cerca de 15 mil trabalhadores paralisam, reivindicando diminuição das horas de trabalho, melhores salários e “providências sobre a crise” Grupos de grevistas tentam parar a Estrada de Ferro Dona Leopoldina, mas são impedidos pela polícia. Temeroso, o empresariado aceita reduzir a jornada de trabalho e oferece um aumento de 10% nos salários. Aos poucos a vida volta a normalidade.

O MOVIMENTO GREVISTA NO RIO GRANDE DO SUL

Avançando como que “em ondas”, em 31 de julho o movimento grevista chega ao Rio Grande do Sul. Depois de algumas reuniões furtivas, a “União Operária Internacional”, anarquista, distribui boletins, convocando uma reunião geral na FORGS para o dia 29, domingo:

“Na reunião, com mais de 500 pessoas, nenhum cargo administrativo da FORGS tomou a palavra e criou-se ainda (não elegeu-se) um órgão sob controle dos anarquistas e dos pedreiros sindicalistas (sem a participação da diretoria da Federação). A Liga de Defesa Popular (LDP) estabelece uma pauta de reivindicações e a entrega aos governos municipal e estadual, eximindo, portanto, a FORGS da responsabilidade do movimento.”[vii]

Tudo indica que essas “precauções” foram tomadas para prevenir qualquer intervenção na FORGS em função da greve.[viii] Entre os integrantes da LDP encontramos o, pedreiro Luiz Derivi e o gráfico Cecílio Villar, ambos conhecidos anarquistas e ex-dirigentes da FORGS (não sabemos se neste momento continuavam ou não na suas direção, por nos faltarem dados concretos sobre isso), além de Abílio Nequete, um dos que irá participar da fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922. Imediatamente a “Liga” lançou uma proclamação ao povo de Porto Alegre, divulgando as suas reivindicações:

Povo! Trabalhadores! (...) A Liga de Defesa Popular espera o apoio do povo de Porto Alegre para obter as seguintes melhorias (...) diminuição dos preços dos gêneros de primeira necessidade em geral; providência para evitar o açambarcamento do açúcar; estabelecimento de um matadouro municipal para fornecer carne à população a preço razoável; criação de mercados livres nos bairros operários; obrigatoriedade de venda do pão a peso e fixação semanal do preço do quilo; a Intendência cobrar pelo fornecimento de água 10% sobre os aluguéis cujo valor locativo seja inferior a 40$000; compelir a Companhia de Força e Luz a estabelecer a passagem de 100 réis, de acordo com o contrato feito com a municipalidade; aumento de 25% sobre os salários atuais; generalização da jornada de 8 horas; estabelecimento da jornada de seis horas para mulheres e crianças.[ix]

PORTO ALEGRE: A CAPITAL PARALISADA

No dia 30, a “Liga” envia, um documento ao presidente do Estado - Borges de Medeiros - e ao intendente municipal - José Montaury, com as reivindicações aprovadas. Na tarde do dia 31, a “Liga” realiza um comício com 5 mil pessoas e decreta a greve geral:

Estalou finalmente a greve geral, há tantos dias anunciada nesta cidade, e cujos prenúncios se fizeram sentir logo após o movimento grevista que na capital da República secundou o de São Paulo. Como era de prever, o operariado, depois do comício realizado ontem à tarde na Praça Senador Florêncio, onde diversos oradores pregaram a greve geral como único meio de conseguir o decrescimento da carestia da vida, resolveu abandonar o trabalho, tendo muitas fábricas deixado de funcionar ontem mesmo. A agitação nas classes operárias é extraordinária, como se pode notar, desde ontem à tarde, na atitude exaltada de grande número de operários que, em grupos, percorriam as ruas da cidade e estacionavam às esquinas. A sede da Federação Operária tem estado repleta de associados”.[x]

Paralisam as suas atividades os calceteiros pedreiros, marceneiros, carpinteiros, tecelões, chapeleiros, metalúrgicos, estivadores, choferes, carroceiros, padeiros, tipógrafos, comerciários. Os motorneiros e cobradores da Cia. Força e Luz solicitam um aumento de salários e, ao não serem atendidos, entram em greve. Os trabalhadores da Viação Férrea do RGS – controlada pela empresa belga Compagnie Auxiliaire e pela norte-americana Brazil Railway – reivindicam jornada de oito horas, semana inglesa e aumentos salariais de 10 a 30%. Diante da resposta negativa, iniciam a greve em Santa Maria e logo estendem o movimento a todos os municípios, paralisando os transportes a nível estadual. Em Porto Alegre os grevistas dominam a cidade. Zenon de Almeida - que anos depois irá aderir ao Partido Comunista do Brasil - edita o jornal A ÉPOCA, porta-voz da “Liga de Defesa Popular”[xi].

No dia 1º de agosto, em um comício na Praça da Alfândega com mais de 4 mil operários, o anarquista João Baptista Noll refere-se explicitamente à revolução russa em andamento: “Camaradas! Que o som produzido pelo choque do malho e da bigorna seja o eco da liberdade a ressoar pelo mundo. (...) O povo da Rússia, dos cossacos, de Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de uma escravidão quase infinita, conseguiu por si um regime de liberdade”[xii] Um testemunho da época reproduz bem o clima da greve:

Invadindo e dominando todas as grandes companhias, estabelecimentos e várias classes sociais, algumas levadas à força, pelo temor de represálias tremendas que os grevistas prometiam (...) esse movimento assumiu proporções desmesuradas, paralisou totalmente a vida da cidade, sem luz nem pão, sem leite nem carne, sem legumes nem frutas, sem bondes nem carros, sem automóveis nem carroças. (...) grevistas que chegaram à petulância irrisória de colocar destacamentos seus, vigilantes e ameaçadores, em determinadas embocaduras e encruzilhadas, para impedir que os vendedores ambulantes dos artigos imprescindíveis de consumo diário, pudessem chegar ao mercado ou casas dos fregueses. Houve até um simulacro caricato de governo que expedia salvo-condutos a determinados indivíduos para poderem transitar livremente. Dispondo de numerosa gente espalhada aqui e acolá em grupos de catadura menos tranquilizadora, foram a reprováveis atos de violência (...) A cidade semelhava uma praça de guerra, preparada para o combate. Em todos os recantos suspeitos, os pelotões de infantaria, embalados, estacionavam previdentes: patrulhas de cavalaria cruzavam constantemente numa atividade formidável. (...) Os comícios e assembléias operárias eram freqüentes e numerosas, a linguagem tribunícia inflamada, excessiva, abundantíssima; as exigências enormes; as imposições demasiadas e inaceitáveis; a cólera exacerbada e perigosa.[xiii]

O GOVERNO E OS PATRÕES CEDEM

No dia 2 de agosto a LDP é recebida por Borges de Medeiros que lhes comunica a decisão de atender as reivindicações quanto à redução da jornada de trabalho e aumento de salários de 5 a 25% para os empregados do Estado, além de medidas de controle das exportações de arroz, banha, batatas, feijão e farinha. As concessões do presidente do Estado são festejadas por uma multidão de 5 mil pessoas, que aguarda a Comissão a saída do Palácio; esta recomenda a continuidade da greve, pois nem os patrões haviam reduzido a jornada de trabalho e concedido aumentos salariais, nem o governo municipal havia tomado medidas concretas para o controle dos preços. Nesse mesmo dia aderem à paralisação a Companhia Fiat Lux, tamanqueiros, licoreiros, canteiros, e diversas outras empresas.

O Chefe da Polícia, Firmino Paim Filho, pressiona para que a greve seja suspensa, alegando que as reivindicações dos trabalhadores já haviam sido satisfeitas. O CORREIO DO POVO do dia 3 de agosto traz a notícia do fim da greve. Imediatamente a “Liga” distribui um Boletim desmentindo o fim da greve e “concita aos trabalhadores que já tenham entrado em acordo com os patrões, quanto ao aumento de salário e às 8 horas, que continuem em greve até a diminuição dos preços dos gêneros alimentícios, do contrário o que ganharmos voltará para os cofres dos comerciantes.” No dia seguinte, através do Ato 137, o Intendente Municipal José Montaury decretou o tabelamento dos preços do arroz, açúcar, banha, cebola, salame, ovos, erva-mate, leite, manteiga, massa branca, milho, fósforos, polvilhos, pão, sal, charque, querosene, sabão e vela de sebo. Também reeditou o Ato 107, de 1914, regulando as normas para a venda da carne fresca.

Quanto aos patrões, pressionados pelos trabalhadores e pelo próprio governo, concederam aumentos de 25% e jornada de 8 horas para a maioria das categorias. No dia 4 de agosto, a Companhia Força e Luz dá aumento a todos os seus funcionários. Consultada a “Liga”, motorneiros e cobradores só suspendem a greve no dia 5 de agosto, quando a própria “Liga” divulga o seu Boletim aconselhando “a volta ao trabalho de todas as classes que o julgarem conveniente”, ao mesmo tempo que assegura que “as que quiserem prosseguir em greve, por não terem conseguido seu objetivo, a Liga de Defesa e a Federação Operária do Rio Grande do Sul hipotecam a sua solidariedade e se propõem a tudo fazer por elas.” Um comício, realizado nesse mesmo dia, encerra a Guerra dos Braços Cruzados. Algumas categorias permaneceram em greve por alguns dias, até terem as suas reivindicações atendidas. Encerrava-se, de forma vitoriosa, a lutas do proletariado portalegrense.

FERROVIÁRIOS: UMA GREVE ANTI-IMPERIALISTA

Já a greve dos ferroviários enfrenta grande dificuldades. O inspetor-geral da VFRGS - Mr. Cartwright - ameaça despedir todos os grevistas e solicita a intervenção das tropas da 7ª Região Militar: “No dia 2 de agosto o General Carlos Frederico de Mesquita comanda a ocupação da Estação de Santa Maria. Em represália os grevistas arrancam trilhos, derrubam pontes e bloqueiam a via com dormente e postes telegráficos em vários pontos do Estado. Alguns trens passam a circular guarnecidos por tropas. Em Passo Fundo há violentos choques entre ferroviários e forças militares.”[xiv] No dia 9 de agosto a greve foi interrompida sem que as reivindicações dos trabalhadores fossem atendidas. Mas em 17 de outubro de 1917, os ferroviários retomam a sua luta através de uma greve ainda mais violenta e prolongada. Operários armados invadem a estação de Santa Maria, danificam e chocam locomotivas, paralisando completamente o tráfego. A greve se espalha por todo o Estado, com uma violência inaudita. Trilhos são arrancados, linhas telegráficas cortadas, pontes destruídas. Novamente as tropas são mobilizadas e trens militares voltam a circular.[xv]

Os ferroviários denunciam os “patrões estrangeiros” que os exploram e não garantem um serviço de qualidade, buscando ganhar o apoio e a simpatia do empresariado gaúcho, insatisfeito com os serviços prestados pela VFRGS. O governo do Estado - interessado em assumir a concessão da Viação Férrea - sinaliza neste sentido através das páginas de A FEDERAÇÃO, propondo a cassação da concessão à Brazil Railway da ferrovia, e passa a trabalhar junto ao governo federal nesse sentido. Borges de Medeiros recomenda cautela e comedimento da Brigada Militar na repressão ao movimento Os ferroviários em greve delegam ao governo do Estado a intermediação junto ao Governo Federal e à Companhia, para negociar um acordo. Em Santa Maria cresce a violência: “em choques de rua, após comício na Praça Saldanha Marinho, no dia 21 de outubro, uma patrulha do exército atira sobre os manifestantes: há 1 morto e 29 feridos.”[xvi] No dia 27 de outubro a FORGS ameaça com uma greve geral no Estado, caso as reivindicações dos ferroviários não sejam atendidas. No dia 31 de outubro, Mr. Cartwright é exonerado e Borges de Medeiros consegue a concessão de aumentos salariais de 10 a 15%, além da satisfação de grande parte das reivindicações dos grevistas. Três anos depois, o governo estadual assumirá o controle da VFRGS.

O MOVIMENTO GREVISTA CHEGA A PELOTAS

Além da greve estadual dos ferroviários, o movimento também se alastrou para algumas cidades do interior. Em Pelotas, se inicia no dia 4 de agosto com a paralisação dos motorneiros e cobradores da Companhia Força e Luz, estivadores, choferes, curtidores, alfaiates, sapateiros e verdureiros. Também é dirigido por um “Comitê de Defesa Popular”. Diferentemente de Porto Alegre, o Intendente Municipal reprime violentamente os grevistas e o movimento se radicaliza. No dia 10 de agosto, realiza-se uma passeata dos trabalhadores no centro da cidade, encerrada com um comício. A repressão da policia e do 11º Regimento de Cavalaria, acaba em um conflito de grandes proporções, com diversos feridos. Em protesto, os grevistas concentram-se à noite na sede da “Liga Operária”. A polícia intervém novamente e os operários resistem. Na refrega um funcionário da Intendência municipal é gravemente ferido - falecendo poucos dias depois - e o cavalo do próprio chefe de polícia é abatido a tiros. Depois de muita luta os grevistas são desalojados. Preocupado com a violência dos conflitos, Borges de Medeiros envia para Pelotas o Chefe de Polícia da capital com a missão de “manter a ordem assegurando o direito de greve àqueles que nela quiserem persistir, bem como garantir a liberdade de ação dos que não estivessem dispostos a acompanhar esse movimento” (A FEDERAÇÃO, 13.08.1917). Em meados de agosto a greve em Pelotas é encerrada, em troca de uma redução nos preços dos gêneros de primeira necessidade. A onda grevista se espraia por diversos municípios do Rio Grande do Sul, perdurando até o mês de novembro.[xvii]

EPÍLOGO

            As greves de 1917 mostraram que o movimento operário estava objetivamente maduro, mas carecia de um direção capaz de conduzi-lo à vitória na luta contra a exploração do capital. Como afirma Hardman:

A recusa em considerar a organização necessária ao proletariado para a luta política contra o Estado; a negativa em organizar a classe em partido próprio, com vistas à tomada revolucionária do poder; o apego absoluto à chamada “resistência anti-capitalista”, que se traduzia na superestimação do papel do sindicato e da luta econômica; a exaltação das formas espontâneas de luta, de ações voluntaristas e heróicas,individualizadas e desvinculadas das massas; enfim esses aspectos da teoria e prática dos anarquistas, revelaram o impasse e o beco sem saída a que foi levado o movimento operário no Brasil neste final dos anos 10. (...) As ações do movimento anarquista não superaram a espontaneidade economicista (...).[xviii]

            A classe operária avançava ou sofreria uma derrota histórica. E ela tratou de avançar...

 

NOTAS

[i] BODEA, Miguel. A Greve Geral de 1917 e as origens do Trabalhismo Gaúcho. Porto Alegre: L&PM, S/D, p. 21.

[ii] DULLES, John W. F.Anarquistas e Comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 47.

[iii] Os bondes, a luz, o comércio e as indústrias paralisam-se, São Paulo passa dois dias sob o controle do Comitê de Defesa Proletária (...). As tropas da Força Pública não controlam mais a capital (...). Campinas, Itu, Sorocaba, etc. – ao todo 13 cidades – paralisam suas fábricas. Do Rio, a Federação Operária ameaça tomar atitude se o exército intervier contra os grevistas paulistas” [CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970, pp. 227-228]

[iv] DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil. São Paulo: EDAGLIT, 1962, pp. 298-299.

[v] Idem, p. 303.

[vi] DULLES. Op. Cit., pp. 58-59.

[vii] SILVA JR., Adhelmar Lourenço da. A greve geral de 1917 em Porto Alegre. In: Revista anos 90, nº 5. Porto Alegre: Ed. Universidade, 1996, p. 188.

[viii] Diferentemente do que sugere SILVA JR., os relatos indicam que a “Liga” não surge a revelia da FORGS e de suas lideranças:  “Em seguida, o Sr. Cecílio Villar comunicou aos presentes que a Federação ia nomear uma comissão intitulada Liga de Defesa Popular, a qual ficaria encarregada de dar os passos necessários para melhorar a situação das classes trabalhadoras (...) Para esse fim, seriam nomeados três dentre os presentes, que se incumbiriam de escolher dois membros de cada uma das associações filiadas, a fim de construírem a referida Liga. Foram nomeados, então, os Srs Cecílio Villar, Luiz Derivi e Salvador Rios” (negritado nosso) [FAGUNDES, Lígia Ketzer e outros. Memória da Indústria Gaúcha (1889-1930). Porto Alegre: FEE, pp. 289-290]

[ix] PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul (1890-1919). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, pp. 308-309.

[x] A FEDERAÇÃO, 01.08.1917. In: PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz e LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento operário gaúcho – 1870/1937. Poro Alegre: Editora da Universidade/UFRGS - TCHÊ, 1992, pp. 203-204.

[xi] “Zenon de Almeida teve papel destacado na série de greves de 1917, integrando seu grupo dirigente. ‘Foram greves violentas, com depredações, incêndios e atentados à bomba’, lembra seu filho. Durante a greve geral de 1917 (...) Zenon foi um dos editores de A ÉPOCA, porta-voz da Liga de Defesa Popular, entidade que assume o comando da capital, enquanto Governo, Brigada e Polícia enfiam o rabo entre as pernas nos seus respectivos redutos. (...) com Geyer e Djalma, aperfeiçoou um detonador que transformasse a dinamite em granadas de mão. Djalma, como mecânico e ourives; Geyer, médico, com acesso a produtos químicos; e ele, Zenon, como químico, conseguiram um petardo que, em 1917, apavorou a Brigada, tirando-lhe a iniciativa.” [MARÇAL. Os Anarquistas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1995, p. 38]

[xii] BODEA. Op. Cit., 36.

[xiii] PEREIRA, Miguel. Esboço Histórico da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.[1919] In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 204-205.

[xiv] BODEA. Op. Cit., p. 34.

[xv]  “Os insurretos apedrejaram estações, quebraram vidros, dinamitaram pontes, arrancaram trilhos, atacaram trens a tiros de revólveres, tentaram demolir importantes obras de arte, entraram em sérios conflitos, desrespeitaram a força armada, autoridades e os funcionários seus dirigentes. Não houve embaraços que não opusessem para impedir o tráfego oficial, com maquinistas e guarnição do Exército e Brigada Militar, que deligenciavam para não serem de todo interrompidas as viagens dos trens, permitindo assim o transporte de forças que deviam acudir apressadas aos pontos de maior agitação, no intuito de obstar às depredações constantemente praticadas pelos tresloucados grevistas” [PEREIRA. Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 206]

[xvi] BODEA. Op. Cit., p. 60. Também: “Em Santa Maria, um destacamento de primeira linha, a fim de se fazer respeitar e obedecer, atirou contra os amotinados, resultando disso mortes e ferimentos e tremenda excitação que repercutiu ao longe.”

[xvii] O relato da greve de 1917 no Rio Grande do Sul está baseado fundamentalmente nos trabalhos de PETERSEN. As greves..., PETERSEN e LUCAS. Antologia..., BODEA. A greve..., SILVA JR. A greve..., que só são citados no caso de transcrições literais, procurando evitar o truncamento do texto.

[xviii] HARDMAN, Francisco Foot. Anarquistas e anarco-sindicalismo no Brasil. Apud SEGATTO, José Antonio. A Formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, pp. 85-86.