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   Porto Alegre, sexta-feira, 26 de abril de 2024

   
 

Brasil: um olhar sobre as contas externas

Paulo Roberto P. Rivera


1. Introdução

As contas externas são registradas no Balanço de Pagamentos (BP), onde são contabilizadas todas as transações do país (residentes) com o exterior (não-residentes). O BP é composto basicamente de três partes: a primeira se chama transações correntes (ou conta corrente) e dela fazem parte a balança comercial (exportações e importações de bens), a balança de serviços (viagens internacionais, transportes, aluguel de equipamentos, etc.), a renda primária (pagamento de juros e remessas de lucros e dividendos), e a renda secundária (transferências unilaterais, como por exemplo, o envio de dinheiro de imigrantes brasileiros no exterior para o Brasil). A segunda parte do BP é a conta de capital, composta por ativos não financeiros não produzidos e transferências de capital. A terceira parte é a conta financeira, que registra empréstimos concedidos ao Brasil, por bancos privados ou agências internacionais, aplicações financeiras em ações e títulos – chamados investimentos em carteira – e os investimentos estrangeiros diretos (IED).

O Brasil é signatário do sistema de registros padronizados pelo Manual de Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimento, que encontra-se na sua sexta edição (BPM6), adotado em abril de 2015 no Brasil. O Manual é produzido pelo FMI, a partir do STA (departamento de estatísticas macroeconômicas). O STA se reúne para discussão com grupos de especialistas de vários países e outros organismos internacionais. Estes manuais fornecem recomendações para a compilação e apresentação das contas macroeconômicas; asseguram a consistência entre as várias estatísticas macroeconômicas e permitem a comparabilidade das estatísticas entre os países, e de um mesmo país ao longo do tempo.

No Brasil, a elaboração e divulgação dos dados é de responsabilidade do Banco Central, que disponibiliza em seu sítio na internet (www.bcb.gov.br) planilhas com as informações que serviram de base para o presente estudo. Compilamos os dados a partir de 1985 até 2022. Para facilitar a interpretação política, procuramos sempre que possível, dividir os períodos conforme cada governo, considerando que o governo de Dilma Roussef é interrompido em agosto de 2016, e a partir daí, o governo de Michel Temer. Ressaltamos também que, ao iniciar as séries de dados a partir de 1985, pode-se observar a evolução das contas externas coincidindo com a introdução do Real e com a abertura mais efetiva da conta financeira, cujo processo se inicia a partir do final da década de 80, passando pelos anos 90 e consolidando-se até a metade da década de 2000.

Tabela 1
Brasil - Balanço de pagamentos
*
Em milhões de dólares
 Governo FHC
 
Governo Lula
 
Governo Dilma**/Governo Temer
**Governo Dilma até agosto de 2016
Governo Bolsonaro

Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

*Embora faça parte da conta financeira, a subconta ativos de reservas aparece destacada na tabela 1, visando facilitar o entendimento de que trata-se da rubrica que espelha o resultado final do balanço de pagamentos. Erros e omissões refere-se a ajustes de discrepâncias temporais das diversas origens dos dados utilizados.

2. Balança Comercial de Bens

Gráfico 1
Brasil - Exportações, importações e saldo da balança comercial de bens
Em bilhões de dólares

 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.
 

O balanço de pagamentos inicia pelo saldo da balança comercial de bens, ou seja, exportações menos importações. Estas duas sub-contas são as mais volumosas, por isso o seu saldo assume importância determinante no déficit ou no superávit das transações correntes. Durante a série histórica de 28 anos que compreende este trabalho, somente em sete a balança de bens foi negativa, sendo que seis delas foram nos primeiros anos dos governos FHC, quando a política de cambio com o Real apreciado para conter a inflação, desestimulou sobremaneira as exportações (o governo FHC inicia em 1995 com o dólar valendo menos de 1 real), bem como impulsionou as importações. Somente a partir de 2001 a balança passa a ficar positiva, à exceção do ano de 2014, atingindo seu pico entre os anos de 2004 e 2007. O gráfico 1 mostra a evolução das exportações, importações e o saldo. O saldo da balança volta a ser negativo em 2014, face à desaceleração da economia brasileira. A partir de 2016 retornam os saldos expressivos, mas com volume de negócios inferiores. Mesmo com a taxa cambial em alta, as exportações apresentaram redução em 2019 e 2020, e as importações caem ainda mais, refletindo um período de desaceleração na economia. Em 2021 e 2022, exportações e importações voltam a crescer em ritmo acelerado.

Gráfico 2
Brasil - Participação dos principais grupos de produtos nas exportações de bens
 
 
Fonte dos dados: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria.

Quanto às exportações, o gráfico 2 mostra que houve mudança substancial na pauta dos produtos. No ano de 1997, manufaturados, máquinas e equipamentos (indústria), representavam quase a metade (44%) dos bens exportados. Já em 2022, a indústria recuou sua participação para apenas 20%, enquanto os produtos primários passaram de 43% para 70%. Dos três grupos de produtos primários, o de produtos alimentícios foi o que se manteve praticamente estável, sendo que o discreto aumento se deve basicamente à carnes (bovina, ave e suína), seguido de açúcar, café, milho e algodão. Quanto aos materiais brutos, mais que dobraram sua participação, puxados pela soja e pelo minério de ferro. Os combustíveis e minerais saltaram de 6% para 17%, sendo o petróleo o responsável quase exclusivo por este aumento.

Gráfico 3
Brasil - Participação dos 6 principais países nas exportações de bens
 
Fonte dos dados: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria.

Com referência ao destino das exportações, o gráfico 3 também mostra substancial alteração ao longo dos 28 anos analisados. A China sai de insipientes 2% em 1997 para liderar o destino de exportações brasileiras em 2022, sendo só ela foi responsável por quase um terço (27%). Em 2022, a China é o destino de 43% das exportações de produtos primários, com destaque para as comodities como soja e minério de ferro: 63% tem como destino a China. Do petróleo e derivados que exportamos, o país asiático responde por 43%. Mostra-se igualmente expressiva a redução dos EUA como destino, considerando que em 1997 era o principal parceiro, e hoje responde por apenas 11%. Igualmente no que se refere a Argentina, Alemanha e Japão, cujas exportações debilitaram-se no decorrer do período, fruto principalmente do recuo da indústria brasileira

Gráfico 4
Brasil - Participação dos 5 principais países nas importações
 
 
Fonte dos dados: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria.

Sobre as importações, o gráfico 4 mostra alterações expressivas nos países de origem. Também aqui destaca-se a China, que em 1997 respondia por apenas 2%, e hoje é o maior fornecedor. Como mostra o gráfico 5, não ocorreu mudança substancial nas importações de manufaturados, máquinas e equipamentos, mas em conjunto com o gráfico 4, conclui-se que passaram a ser comprados da China, e não mais dos EUA. A participação dos EUA, que experimentou retração considerável, hoje tem como pautas principais os produtos químicos e os combustíveis e lubrificantes.

Gráfico 5
Brasil - Participação dos principais grupos de produtos nas
importações de bens
 
Fonte dos dados: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria.

Os produtos químicos são os que apresentaram maior crescimento, representados principalmente por fertilizantes, herbicidas e inseticidas, na razão direta do aumentos das exportações de soja e outros grãos, razão pela qual Rússia e Índia passam a figurar entre os principais países dos quais o Brasil importa. Também se destacam neste grupo os medicamentos.

Combustíveis minerais tiveram redução, devido ao petróleo, e sua posição se mantém em decorrência das importações de gasolina, diesel e lubrificantes.

3. Serviços

Gráfico 6
Brasil - Composição e evolução da conta
de serviços
Em bilhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

Esta conta é composta pelo saldo entre as importações e exportações de serviços, e também pelo saldo entre os gastos das viagens de residentes ao exterior, menos os das viagens de não-residentes para o país. Conforme se verifica na Tabela 1, o déficit nesta conta é histórico, sendo que em nenhum ano dos 28 analisados o fluxo foi positivo. Nesta conta, destacam-se três subcontas: viagens, serviços de transportes e aluguel de equipamentos. O gráfico 6 mostra a evolução destas sub-contas em cada governo. As viagens de residentes brasileiros ao exterior durante o período analisado proporcionaram um fluxo negativo de 183,1 bilhões de dólares. Mais da metade deste valor (46%) concentrou-se no governo Dilma. O fluxo foi positivo somente em 2003 e 2004, em face da alta taxa de cambio do período imediatamente anterior, o que arrefeceu o volume de viagens para o exterior. A média anual de saída de dólares do país a título viagens, é de 6,54bilhões de dólares. O fluxo negativo da sub-conta transportes é determinado principalmente pelos custos ligados a fretes sobre importações, bem como serviços auxiliares de transporte, aluguel de embarcações tripuladas; movimentação, embalagem e estocagem de cargas. Experimentaram elevada evolução nos governos Lula e Dilma, e são responsáveis por cerca de 32% do fluxo negativo da conta Serviços. Já a subconta Aluguel de Equipamentos, é a que mais pesa no fluxo negativo dos serviços, representando 39% do acumulado no período analisado. Destacam-se nesta rubrica o aluguel de plataformas para exploração de petróleo e gás, embarcações e aeronaves e de satélites para telefonia móvel.

4. Renda Primária

Gráfico 7
Brasil - Composição e evolução das sub-
contas juros e lucros e dividendos
Em bilhões de dólares
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

São três sub-contas que compõem a conta de Renda Primária. A primeira é a sub-conta Salários, que registra as receitas decorrentes do recebimento de salários por serviços prestados a não residentes e as despesas relativas ao pagamento de salários a não residentes por serviços prestados à empresa sediada no país. O fluxo resultante é via de regra positivo, mas seu montante não é significativo na determinação do saldo final da Renda Primária.

Em seguida aparece a subconta de juros, que representa os custos referentes a empréstimos tomados no exterior, menos os custos de empréstimos de não residentes obtidos no país. O fluxo negativo indica que o país paga muito mais juros do que recebe. Conforme mostra o gráfico 7, durante os 28 anos analisados o Brasil pagou ao exterior 434,2 bilhões de dólares, quase a metade do déficit em transações corrente no mesmo período.

A terceira subconta mostra a diferença entre a remessa de lucros e dividendos para o exterior e o ingresso no país de valores referentes aos lucros obtidos no exterior. O gráfico 7 mostra que o fluxo retirou do país 587,2 bilhões de dólares desde 1995. Nos gráficos 8 e 9 a seguir, são mostrados os principais setores remetentes e os principais países receptores.

Gráfico 8
Brasil - Remessa de lucros e dividendos para o exterior
Principais setores econômicos remetentes

 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.
 
Gráfico 9
Brasil - Principais países de destino das remessas de
lucros e dividendos para o exterior

 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

5. Renda Secundária

Registra as transferências entre residentes e não residentes de uma economia sem que haja contraprestação, financeira ou não, por parte do beneficiário. Incluem-se as contribuições a entidades de classe, a entidades associativas e a organismos internacionais, bilhetes e prêmios de loterias oficiais, impostos, taxas, indenizações não amparadas por seguros, aposentadorias, pensões e reparações de guerra. Inclui, também, as transferências efetuadas por migrantes (remessas de trabalhadores, doações, heranças, etc.). O fluxo positivo é determinado principalmente pelas transferências pessoais do exterior para o Brasil. O saldo geral da conta tem uma influência modesta na composição das transações correntes.

6. Transações correntes

Gráfico 10
Brasil - Transações correntes
Em bilhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

É a conta que apura o saldo geral de todas as operações vistas anteriormente. Também chamada de conta corrente, quando seu saldo é negativo, significa que o país deverá obter dólares através de fluxo positivo em sua conta financeira, ou seja, deve ter sua conta de capitais aberta para a entrada de capital externo. Em não sendo suficiente a entrada de capitais externos para suprir sucessivos déficits em conta corrente, o país deve ter reservas internacionais suficientes para suportar o balanço de pagamentos. Quando estas alternativas não forem suficientes, só resta socorrer-se de empréstimos de bancos e/ou instituições internacionais, como o FMI. Conforme exposto na tabela 1, o Brasil apresentou superávit em conta corrente em somente cinco anos dos 28 analisados: de 2003 a 2007 — face principalmente aos expressivos superávits da balança comercial de bens —. Portanto, antes da abertura da conta financeira, proporcionando a entrada de capitais externos, um país como o Brasil contava quase que exclusivamente com o saldo positivo de sua balança comercial para fazer frente a eventuais déficits em seu balanço de pagamentos. O gráfico 10 mostra como evoluíram as transações correntes e seus componentes em cada governo. Desde o início da série até 2022, o país acumulou 1,065 trilhões de dólares de déficit.

7. Conta Capital

Esta conta registra transferências de patrimônio resultantes de imigração ou emigração; bens não financeiros não produzidos, que compreende a compra e venda de direitos de propriedade, tais como marcas e patentes. É por esta conta que circula, por exemplo, os valores referentes a venda ao exterior de direitos sobre atletas, que respondem pela maioria dos valores que transitam na conta. O fluxo é quase sempre positivo, mas seu montante não é determinante para o saldo das transações correntes.

8. Conta Financeira

Tabela 2
Brasil - Fluxo da conta financeira
Em milhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

É a conta que registra a diferença entre os fluxos de investimentos de brasileiros (pessoas físicas e jurídicas) no exterior (Ativos) e os fluxos de investimentos de estrangeiros no Brasil (Passivos). Tanto ativos quanto passivos são compostos por quatro subcontas basicamente: i) investimentos estrangeiro direto, ii) investimento em carteira, iii) empréstimos e títulos. iv) outros passivos. Há uma quinta subconta – Ativos de Reservas – que é a responsável por receber a diferença entre todos os fluxos vistos até aqui. O lançamento nesta rubrica reflete a diferença final do Balanço de Pagamentos. Quando o lançamento é negativo, significa que o país teve que usar reservas para cobrir o déficit no balanço de pagamentos, e quando positivo, o país aumenta seus ativos de reservas.

Conforme a tabela 1, na série de 28 anos o país precisou usar reservas para cobrir o déficit do balanço de pagamentos em cinco oportunidades: de 1997 a 2000, em 2013, e mais recentemente em 2019, 2020 e 2022. Em todos os demais exercícios, o saldo da conta financeira cobriu o déficit e ainda proporcionou o aumento das reservas. Assim, configura-se que o Brasil cobre seus prejuízos em conta corrente com a entrada de capital externo, seja para investimento direto, investimento em carteira ou empréstimos.

O Brasil adota o sistema de câmbio flutuante, cuja taxa é determinada pelo próprio "mercado" através da relação entre oferta e procura. Assim, quanto maior a entrada de dólares pela conta financeira, principalmente para investimentos em carteira, mais o real se valoriza, ao passo que quando há mais saída de dólares do que entrada, esse tem seu valor apreciado.

A tabela 2 mostra o resultado dos fluxos de entrada e saída de capitais das principais sub contas, agrupados por cada governo durante o período analisado. Valor negativo indica maior entrada do que saída de capital externo, o que torna o país devedor destes valores, visto que podem sair a qualquer momento, obrigando a converter os reais baixados das aplicações em dólar para retornarem a origem.

O primeiro período (governo FHC) caracteriza-se por desequilíbrios no balanço de pagamentos. Embora com fluxo positivo de capital externo, os déficits da balança comercial e a insuficiência de reservas internacionais, levaram o país a socorrer-se do FMI em duas oportunidades (1998 e 2002).

Os dois governos do Partido dos Trabalhadores (Lula e Dilma), caracterizam-se pelo volumoso ingresso de capitais, tanto para investimento direto quanto para investimentos em carteira. Associados aos grandes superávits da balança comercial, estes fatores proporcionaram a formação das robustas reservas internacionais que ainda hoje o país sustenta.

Quanto aos governos Temer e Bolsonaro, há mudanças expressivas na conta, onde somente o investimento direto foi positivo. Pela primeira vez, observa-se fluxo negativo dos investimentos em carteira, que conjugado com outros fatores, resultaram na necessidade de uso de cerca de 20 bilhões de dólares das reservas internacionais do país.
A conta financeira por sua natureza, necessita de um segundo tipo de controle, para além do controle dos fluxos: trata-se da Posição dos Investimentos no Exterior e da Posição do Investimento Estrangeiro no país, que visa mostrar qual a posição atual destes investimentos. Os saldos de investimentos e empréstimos são afetados tanto pelos fluxos como também pelas variações cambiais.

O gráfico 11 mostra a evolução da posição dos investimentos no exterior, com dados disponíveis a partir do ano de 2001. O investimento direto representa a maior parte da posição do país no exterior. Os investimentos em carteira feitos por brasileiros no exterior historicamente não assumem grande relevância. As reservas internacionais são parte integrante da Posição dos Investimentos no Exterior, pois configuram um direito do país em moeda estrangeira. As reservas do Brasil estão alocadas basicamente em títulos do governo dos EUA, compondo cerca de 80% das reservas internacionais.

Gráfico 11
Brasil - Posição dos investimentos no exterior
Em bilhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

Quanto ao passivo externo mostrado no gráfico 12, ele retrata a posição dos investimentos de estrangeiros no país, tanto aqueles alocados em participação de capital em empresas quanto aplicações em ações e títulos. Além destes investimentos, o passivo espelha a posição dos empréstimos tomados no exterior pelos setores público e privado.

Gráfico 12
Brasil - Posição dos investimentos estrangeiros no país
Em bilhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

O investimento direto possui dois componentes: Participação no Capital e Operações Intercompanhia. Participação no Capital refere-se ao investimento de não residentes alocados no capital de empresas residentes no Brasil, quando essa participação for igual ou superior a 10%. Já as Operações Intercompanhia, as transações correspondem aos fluxos líquidos de capitais entre empresas residentes receptoras de IDP e seus investidores diretos não residentes, não havendo qualquer especificação sobre sua aplicação.

A diferença entre o Ativo externo e o Passivo externo, é chamada de “Posição de Investimento Internacional”. Ao final de 2020, a posição brasileira mostrava um montante de 728,41 bilhões de dólares negativo (passivo maior que o ativo).

Gráfico 13
Brasil - Investimento estrangeiro no país | Distribuição por país do controlador final
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.
 
Gráfico 14
Brasil - Investimento estrangeiro no país | Distribuição entre os setores econômicos
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

 

O gráfico 13 mostra que o EUA detém a liderança dos investimentos via participação no capital, alcançando o valor de 191,6 bilhões de dólares. Em estudo de 2017, o Banco Central realizou pesquisa para identificar os controladores finais dos investimentos, visto que, em muitos casos, são usados outros países para concretizar tais investimentos. Esta prática está consolidada em todo o mundo, a ponto de hoje em dia o país com maior volume de investimento direto pelo mundo é a Holanda, embora sua economia não possua status para tal. No Brasil, se considerarmos o investidor imediato, veremos a Holanda em segundo lugar e Luxemburgo em terceiro. O que explica esta situação, é o fato destes países conservarem até hoje acordos seculares de isenções fiscais para trânsito de capitais, o que configura uma prática de evasão fiscal legalizada.

O gráfico 14 mostra os setores econômicos com maior participação de capital externo. O exame desta realidade desmistifica em parte a ideia de que o IDP é sempre saudável para o país receptor, visto que impulsiona sua produção e o consequente desenvolvimento. A liderança do setor de bancos e demais instituições financeiras, demonstra que os maiores investimentos estão em um setor não produtivo, comprometido com os ganhos financeiros oriundos, via de regra, da conversão de capital monetário em capital fictício.

 

 

 

 

9. Reservas internacionais

Gráfico 15
Brasil - Posição das reservas internacionais
Em bilhões de dólares
 
Fonte: Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria.

Último item do balanço de pagamentos, as reservas recebem o saldo final do balanço. Na verdade, não obrigatoriamente crescem quando o saldo do balanço de pagamentos é positivo, pois o país geralmente conserva o eventual valor positivo em uma subconta chamada Ativos de Reservas. Ela representa valores que podem ser convertidos em reservas efetivas se o país decidir comprar moeda estrangeira para elevar suas reservas, ou estes valores podem permanecer estacionados para eventual uso em meses subsequentes quando o saldo do balanço for negativo. Geralmente integram posições em instituições internacionais como o FMI, onde os países possuem um tipo de conta que pode ser usada a qualquer momento, sendo inclusive permitido o uso de um tipo de cheque especial.

O Brasil apresenta atualmente um robusto saldo de reservas, que se formaram principalmente durante o governo Lula, e que hoje agem como um tipo de seguro contra eventuais crises monetárias que possam afetar seu balanço de pagamentos. O governo Bolsonaro gastou cerca de 50 bilhões de dólares das reservas, parte para fechar o balanço de pagamentos e parte em intervenções no mercado de dólares para estabilizar a taxa cambial. É sempre a primeira conta a ser observado por investidores externos antes de ingressarem com seus capitais no país, pois representa em certa medida o poder que o país tem de fazer frente a eventuais fugas de capitais.

Embora representem este “seguro”, as reservas também acarretam o chamado “custo de carregamento”, representado pelo fato de que, para mantê-las e encorpá-las, é preciso, no caso do Brasil, recorrer a outras fontes de financiamento, no caso, a dívida interna. Portanto, como os juros pagos na dívida interna é muito superior ao rendimento das reservas internacionais — preponderantemente representadas por títulos do tesouro norte-americano, a juros quase zero — há efetivamente um custo para se manter as reservas, representado pela diferença entre as duas taxas.

10. Breve histórico sobre a liberalização do fluxo de capitais no Brasil

A partir da década de 1980, parte considerável do mundo passa a viver sob a égide do neoliberalismo, cujo principal componente é o de permitir o livre trânsito de capitais entre os países. No Brasil, esta década ficou conhecida como a “década perdida”, face às sucessivas crises monetárias advindas das dificuldades envolvendo a dívida externa. A partir da unilateral e arbitrária elevação das taxas de juros efetuada pelos EUA em 1979 (de 7,5% para 20%), inviabilizou-se que os países em desenvolvimento continuassem honrando seus compromissos externos. Em 1987 o Brasil inicia sua abertura financeira, quando se permitiu aos residentes no exterior investir no Brasil através da criação de diferentes tipos de fundos de investimentos, e foi gradativamente aumentando. Porém, como estava envolvido com a referida crise da dívida externa — inclusive com uma moratória decretada unilateralmente em 1987 — não atraía capitais externos até mesmo por ainda não possuir um mercado financeiro consistente. Somente a partir de 1994, quando concluíram-se as negociações do chamado “Plano Brady”, que proporcionou que as dívidas dos países emergentes fossem securitizadas, criando instrumentos de dívidas negociáveis nos mercados financeiros, e com a adoção do “Plano Real”, o Brasil coloca-se em condições de se tornar um mercado atrativo para o capital externo. A partir daí várias medidas foram sendo tomadas para permitir tanto o fluxo de capitais externos para o país, quanto o fluxo para fora do país, integrando o país aos mercados financeiros do mundo.

Do ponto de vista da entrada de capital, talvez o recurso mais importante tenha sido o chamado Anexo IV da Resolução 1.832/91 do Banco Central, que permitiu o acesso direto dos investidores institucionais estrangeiros ao mercado de ações e de renda fixa nacional. Até então, o único canal para o trânsito de capitais eram as contas “CC5”. "Contas CC5" eram contas previstas na Carta Circular nº 5, editada pelo Banco Central em 1969, que regulamentava as contas em moeda nacional mantidas no País, por residentes no exterior. Referida Carta circular foi revogada em 1996 e, portanto, a expressão “contas CC5” não mais se aplica às atuais contas em moeda nacional tituladas por pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior. Hoje, as disposições sobre essas contas constam do Título VI da Circular 3.691, de 16 de dezembro de 2013. O objetivo inicial das CC5 era que o titular no exterior, ao viajar para o Brasil, depositasse o dinheiro em moeda nacional e, ao voltar ao exterior, pudesse sacar o dinheiro em moeda estrangeira. Portanto, era possível, por meio da CC5, trocar reais por qualquer outra moeda. Posteriormente, foi permitido que outras pessoas, desde que devidamente identificadas, depositassem nas CC5 para que o dinheiro fosse sacado pelo titular no exterior. Isso facilitou o envio de divisas para fora do país por um sistema que ficou conhecido no mercado como “barriga de aluguel”. Diante da grande quantidade de valores que estava saindo, em 1996 o governo decidiu limitar a 10 mil reais os depósitos em dinheiro nas CC5. Mesmo assim, continuaram sendo usadas para remessas ilegais, por isso, em 2005, depois do escândalo envolvendo o Banestado, o governo restringiu ainda mais a utilização das CC5, até sua extinção no mesmo ano. Atualmente, o brasileiro que quiser enviar dinheiro a outro país deve fazer um contrato de câmbio com uma instituição financeira, que será devidamente registrado e identificado no Banco Central. No âmbito dos bancos, medidas durante o ano de 1999 praticamente eliminaram quaisquer impedimentos maiores para a captação de recursos externos, liberando operações para livre aplicação no mercado brasileiro. Assim, durante a década de 1990, mesmo sofrendo ataques especulativos e fugas de capitais, gerando crises e tendo que recorrer ao FMI, o país continuou aprofundando a conversibilidade de sua conta de capitais (conta financeira).

A partir de 2000, o processo de liberalização prossegue permitindo-se a atuação de novos agentes e modalidades de aplicação específicas aos investimentos externos, também disponibilizando aos investidores estrangeiros um mecanismo para negociação direta de ações nas bolsas de valores brasileiras. A consolidação da liberalização financeira da economia brasileira se dá em 2005, com o fim da cobertura cambial nas exportações. Com isso, as empresas exportadoras brasileiras ficam desobrigadas a internar no país os dólares recebidos pelas exportações, podendo mantê-los no exterior. Primeiramente com limites de valor e prazo, e em seguida abolindo qualquer restrição, o que vigora até hoje. Esta liberalização retirou do Banco Central um importante instrumento para agir no mercado de cambio, perdendo o que era um mínimo de previsibilidade sobre o ingresso de moeda estrangeira. Além disso, os exportadores, em última instância, passam a atuar sob o mesmo signo dos agentes financeiros, ou seja, trazendo os dólares quando lhe convém, e permanecendo com eles no exterior quando lhes for mais conveniente.

Hoje, restam somente dois aspectos que o mercado ainda espera do Brasil: acabar com as restrições legais para participação de empresas estrangeiras em alguns setores da economia; e o fim da proibição de realização de operações domésticas em moeda estrangeira, ou seja, o curso forçado do Real. Estes dois aspectos são citados pelo FMI como exemplos de “instrumentos de controle de capitais”, o que classifica o Brasil como país que ainda "restringe" o livre trânsito de capital externo.

11. Considerações finais

A análise do balanço de pagamentos brasileiro apresentado neste trabalho, compreendendo o período desde a adoção do Real até hoje, nos permite concluir que existem aspectos positivos e negativos no desempenho das contas externas.
O primeiro ponto a considerar é que o país tem conseguido manter saldo positivo na balança comercial de bens. No entanto, ao se aprofundar a análise nesta conta, é possível perceber vulnerabilidades estruturais. O país, no decorrer dos últimos 20 anos, inverteu sua pauta de exportações, de forma a retornar ao passado como um exportador de matérias primas. Não houvesse deprimido sua indústria, poderia conviver hoje com uma diversidade nas exportações que certamente proporcionaria maior robustez na balança comercial. A desindustrialização também afeta as importações, onde se pode observar a presença maciça de bens industrializados.

Outro aspecto positivo é o volume expressivo de reservas internacionais que o Brasil formou e, em certa medida, tem conseguido manter. À exceção dos últimos quatro anos, quando consumiu cerca de US$ 50 bilhões das reservas, estas têm se mantido já há uma década em patamar superior a US$ 300 bilhões.

Quanto ao exame do restante das transações correntes, as contas seguintes à balança comercial apresentaram graves déficits que comprometem sobremaneira o balanço de pagamentos.

Durante o período analisado, a conta de serviços consumiu todo o superávit da balança comercial de bens. É uma conta pródiga em mostrar as opções que o país fez no decorrer dos anos. Os maiores déficits em serviços estão na subconta Aluguel de Equipamentos, onde se destacam: i) aluguel de plataformas para exploração de petróleo e gás; ii) aluguel ou leasing de embarcações e aeronaves; iii) aluguel de satélites para telefonia móvel. Quando se constata que o país desmanchou o polo de construção de plataformas em Rio Grande no RS, vendeu a Embraer e sucateou as estruturas dos estaleiros nacionais, pode-se entender que o problema é muito mais de opção do que de dependência. O déficit acumulado da conta de serviços nestes 28 anos, chegando a 700 bilhões de dólares, poderia ser ainda maior não fosse o resultado positivo de 139 bilhões de dólares da sub conta de serviços de arquitetura e engenharia, mais um setor onde o país fez de tudo para liquidar suas empresas, através dos processos levados à cabo pela operação lava a jato.

Mas nada solapa mais o balanço de pagamentos brasileiro do que a conta de renda primária. Como se viu, por ela transitam os fluxos de juros, lucros e dividendos, e sem nenhum tipo de taxação ou regulamentação, nada menos do que 1 trilhão de dólares sangraram do país desde 1995 por este mecanismo. A quase totalidade dos lucros obtidos em solo brasileiro pelos investimentos estrangeiros diretos e em carteira, são remetidos ao exterior, o que demonstra que estes investimentos, tão decantados pelos economistas liberais como a solução para o desenvolvimento do país, comprometem sobremaneira as contas externas.

Quando analisamos os investimentos estrangeiros, vimos que a conta sintética Investimento Direto no País, abriga uma subconta chamada “Operações Intercompanhia”. Na prática, é uma conta de livre trânsito de capitais monetários, cujas remessas equiparam-se à empréstimos, gerando assim encargos de juros. Com isso, durante o período 1995 a 2022, foram remetidos ao exterior 91 bilhões de dólares a título de “Juros de operações intercompanhia”. Embora tendo essa natureza, a conta Operações Intercompanhia passou a integrar o Investimento direto no país, a partir da versão 6 (BPM6) do Balanço de Pagamentos. Nos últimos cinco anos, as operações intercompanhia tem representado, em média, 30% da conta Investimento Direto no País.

Com exceção do período compreendido entre 2003 e 2007, durante o governo de Lula, o país acumula déficits históricos nas transações correntes (conta corrente). Com isso, é a Conta Financeira que, na maioria das vezes, proporciona um fechamento positivo do balanço de pagamentos. Essa realidade pode explicar a razão pela qual esta conta não tenha restrições ao livre transito dos capitais, pois do contrário ela poderia não ser suficiente para cobrir os sucessivos déficits em conta corrente, e posterior cobertura do balanço de pagamentos sem o uso das reservas.

Gráfico 16
Brasil - Passivo externo líquido
Em bilhões de dólares

O exame mais detido do balanço de pagamentos do Brasil, revela um país absolutamente subordinado ao neoliberalismo. A absoluta liberalização da conta financeira e a opção pelo cambio flutuante, colocam o país à mercê dos interesses do capital externo que se utilizam do sistema financeiro nacional para a reprodução de capital fictício. Como vimos no gráfico 12, há uma massa de capital fictício (investimentos em carteira) na ordem de 450 bilhões de dólares, ao qual se pode somar 257 bilhões de dólares das tais “operações intercompanhia”, cujo único objetivo parecer ser o de drenar capital do país a título de juros, totalizando 707 bilhões de dólares, mais que o dobro do valor das reservas internacionais, e aproximadamente 6% do PIB brasileiro. No compito geral, os investimentos estrangeiros no país superam os investimentos no exterior (passivo externo líquido, gráfico 16) em 774 bilhões de dólares, conforme posição em dezembro de 2022. Este quadro atua como uma chantagem à economia brasileira. Haja visto o que ocorreu entre os meses de março e dezembro de 2022, quando cerca de 120 bilhões de dólares evadiram-se do país pela conta financeira, consumindo bilhões em reservas, e elevando a taxa cambial com consequências diretas sobre os custos das importações, contribuindo para a elevação da inflação que penaliza ainda mais a maioria da população.

Por fim, resta claro que qualquer projeto que vise aplacar ou debelar o neoliberalismo, só se viabiliza com a solução dos problemas estruturais apresentados pelo balanço de pagamentos. Uma nova maioria política que possa empreender um processo de reindustrialização, deve focar primeiramente na máxima vigente desde os tempos de Juscelino Kubitschek: a substituição das importações. Como vimos, há apenas 20 anos atrás a indústria contribuía com quase metade das exportações. Retomar este patamar, e diminuir as importações de manufaturados, elevaria o saldo da balança comercial de bens de forma a reduzir substancialmente o déficit em conta corrente. A conta de serviços também pode ter seu prejuízo neutralizado com a retomada do polo de construção de plataformas e a revitalização do setor de construção e engenharia. Somando-se a isso algum tipo de restrição à desenfreada remessa de lucros e dividendos pela conta de renda primária – como também defendia o ex-presidente João Goulart há 60 anos atrás –, o país pode, a médio prazo, alcançar superávit em suas transações correntes. Saldo positivo em conta corrente permite ao país iniciar um processo de regulamentação da conta financeira, privilegiando a entrada de capitais que contribuam para o desenvolvimento da economia real.
 

Paulo Roberto P. Rivera
Ciências Contábeis - PUC-RS
prp.rivera@gmail.com
Porto Alegre - Maio de 2023.